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Daniela Rorato

Vulneráveis e invisíveis

Mães que cuidam de crianças com deficiência precisam de apoio e reconhecimento

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Daniela Rorato

Gestora de soluções inclusivas, empreendedora social e ativista que atua em defesa dos direitos da mãe cuidadora

A morte trágica da mãe e seu filho com deficiência, ocorrida recentemente em Uberlândia (MG), chocou o Brasil. Ilza Maria Assunção, 56, era mãe cuidadora de Breno Reis Gomes de Assunção, 19, que tinha paralisia cerebral. Os corpos foram encontrados em estágio avançado de decomposição e, segundo a polícia, Ilza faleceu cerca de cinco dias antes do filho, que era totalmente dependente dela e, devido à falta de assistência, não resistiu.

Sou mãe solo de um filho com deficiência, do qual cuido há mais de duas décadas. Atuo como ativista social há pelo menos dez anos em defesa da mãe cuidadora, principalmente para tirar-lhe a invisibilidade e pela criação de políticas públicas. Pela minha experiência em contato com centenas de mães, vivenciada em entidades da sociedade civil e em projetos sociais no qual atuo, posso afirmar que a triste história de Ilza e Breno não pode ser encarada como uma fatalidade isolada. Não é simples infortúnio quando se está inserido em um contexto social de invisibilidade que atinge milhares de mulheres.

No Brasil, cerca de 13 milhões de pessoas com deficiências e doenças raras são totalmente dependentes de um cuidador. Geralmente, a mãe solo é a cuidadora, pois na maioria dos casos o pai não suporta a perda do "filho ideal" e abandona a família.

O abandono paternal é banalizado neste país. Segundo dados do Censo feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2015 o número de mães solo atingiu a marca de 11,6 milhões de mulheres no país. A previsão era a de que, em 2020, este número atingiria a marca de 20 milhões de mulheres. Nessas famílias onde a mãe solo é o único sustento, 56,9% vivem abaixo da linha da pobreza.

Apesar de o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prever em lei que os responsáveis omissos podem responder judicialmente por terem causado danos morais a seus próprios filhos, não é o que ocorre. O pai que abandona não é penalizado. O máximo que se tem é o pagamento de uma pensão. Neste país, abandonar um animal é crime previsto em lei: um filho, não. Deveria existir uma espécie de notificação para abandono de filho, algo que ficasse registrado em boletim de ocorrência, como quando ocorre a violência doméstica. Por enquanto, o pai abandona e segue sua vida sem deixar rastro.

A mulher enfrenta uma série de fatores biopsicossociais que impactam a sua vida materna: pobreza e meio ambiente que lhe tiram a dignidade, escassez de creches e inexistência de uma rede de apoio. Quando é um filho com deficiência, a lista de barreiras aumenta, e ela também enfrenta a ausência de acessibilidade e de políticas públicas, a peregrinação no SUS para suprir todas as necessidades de saúde do filho, as dificuldades de inclusão e integração na escola e, ainda, o preconceito social. Há, ainda, a solidão cotidiana que ela vive, uma experiência dolorosa que causa danos à sua saúde mental e provoca doenças secundárias devido à sobrecarga de responsabilidades. Uma violência social silenciosa.

É urgente que se pense em políticas intersetoriais para essa mulher. Recentemente, a Argentina reconheceu o cuidado materno como trabalho para aposentadoria, com um programa social que tem recorte diferenciado para famílias de baixa renda e filhos com deficiência.

Por aqui, a hoje senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP), quando ainda era deputada federal, apresentou dois projetos de lei que beneficiariam a mãe cuidadora: um para a criação de um auxílio cuidador e outro para o reconhecimento desta condição (ambos foram arquivados). Atualmente, tramita no Senado o projeto de lei 76/2020 que regulamenta a condição de cuidador(a). A iniciativa é do senador Chico Rodrigues (DEM-RR).

Quem sabe no futuro, nós, mulheres, sejamos o foco de investimento da economia do cuidado. E o Brasil seja, de fato, uma "mãe gentil".

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