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A cara do Enem

Declarações de Bolsonaro reforçam temores de interferência ideológica no exame

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Estudantes no Enem, em janeiro - Zanone Fraissat - 17.jan.21/Folhapress

Enquanto se mantém alheio a problemas de que deveria ocupar-se, como a perda de credibilidade da política econômica e seu impacto social, Jair Bolsonaro se desdobra para interferir em questões das quais deveria manter-se afastado, como vimos agora no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Se elaborar uma prova já é uma tarefa eminentemente técnica, da qual amadores deveriam ficar longe, a complexidade da tarefa se mostra incrivelmente maior tratando-se de um exame baseado em Teoria de Resposta ao Item (TRI), a metodologia utilizada no Enem.

Na TRI, é preciso levar em conta não só o grau de dificuldade de cada questão como também sua capacidade de discriminar entre os alunos mais e menos preparados.

Apenas suprimir itens incômodos para os seguidores ideológicos do presidente, sem considerar seus aspectos técnicos, resulta em romper o equilíbrio exigido pelos modelos matemáticos e reduzir a eficácia do exame.

Nada disso parece ter intimidado o presidente ou seus bajuladores, que dão mostras frequentes do propósito de interferir no conteúdo do Enem —a ponto de o próprio Bolsonaro gabar-se, na segunda (15), de ter criado uma prova "com a cara do governo".

Nesta quarta (17), o mandatário negou que tenha conhecimento prévio das questões deste ano, o que obviamente não basta para afastar as suspeitas de pressão sobre os responsáveis pela elaboração.

Pior, achincalhou o exame. "Aquilo mede algum conhecimento? Ou é ativismo político e na questão comportamental?", questionou.

Seria possível discutir, com método, a ocorrência de vieses, de esquerda ou outros, no ensino médio e no Enem. O bolsonarismo, porém, prefere usar o assunto como mais um cavalo de batalha ideológica —não passou despercebida a ausência de menções à ditadura militar nas provas mais recentes.

O prejuízo é terrivelmente concreto. O exame corre grande risco de perder qualidade, e a pressão exercida sobre os técnicos do Inep, o órgão encarregado de elaborar as provas, contribuiu para o preocupante esvaziamento do instituto. Outros testes serão afetados.

Se mais pessoas tiveram, sem necessidade, acesso prévio às questões do Enem, romperam-se padrões de segurança imprescindíveis. Congresso e órgãos de controle farão bem em debruçar-se sobre o caso e cobrar esclarecimentos do Ministério da Educação.

editoriais@grupofolha.com.br

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