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Paulo Martins e Vladimir Safatle

A USP quer outro rumo

No Brasil de hoje, universidade precisa ser um espaço de criação e resistência

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Paulo Martins

Professor de letras clássicas, é diretor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), autor, entre outros, de “A Representação e seus Limites” (Edusp, 2021)

Vladimir Safatle

Professor titular de filosofia da FFLCH-USP

​A Universidade de São Paulo (USP) é uma universidade central no sistema de produção de conhecimento não apenas no Brasil, mas na América Latina. Respondendo por 25% de toda a pesquisa feita em nosso país, com vários de seus cursos listados entre os 100 melhores do mundo, seus problemas e contradições são proporcionais à sua importância. Haverá eleição reitoral brevemente. Ainda que os projetos apresentados vistos de longe sejam semelhantes, "USP Viva' e "Somos Todos USP" apresentam modos diversos de conduzir a universidade.

É bom lembrar que "Somos Todos USP" esteve à frente da gestão nos últimos quatro anos, tendo sob sua responsabilidade a administração central —obrigação do vice-reitor. Isso envolve política de pessoal docente e funcional, a negociação em questões atinentes a estudantes, funcionários e docentes e as ações em prol da inclusão e permanência.

Sabemos que as universidades têm sido objeto contínuo de ataque por parte do governo federal. Nesse sentido, a comunidade acadêmica tem lutado bravamente para preservar o tripé pesquisa, docência e orientação. Além disso, vimos nesses anos de pandemia a importância do trabalho desenvolvido nessas instituições, seus esforços em pensar e agir levando em conta as múltiplas dimensões de um fenômeno como esse, sejam elas sociais, psicológicas ou econômicas.

Mas, para lidar com esse momento difícil e complexo, acreditamos que a universidade deve ousar mais. Seus desafios em um país em convulsão e transformação são enormes, e acreditamos que um projeto como o defendido pelo grupo "USP Viva" é mais apto para realizar o que nos espera e o que a sociedade nos cobra.

Um dos eixos de suas propostas é a nova Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento. Há quem veja nisso uma ampliação da "máquina burocrática". Membros do atual governo federal não diriam outra coisa. Essa é uma maneira clássica de ignorar como uma pró-reitoria obriga à criação de políticas acadêmicas orgânicas, que não sejam apenas remendos de reações imediatas. Sua existência exige que todas as unidades a repliquem em sua estrutura, levando-as a pensar e agir transversalmente diante de questões de relevo social, respeitadas suas características específicas.

Outro ponto importante se refere à carreira dos jovens professores, hoje muito pouco atrativa. A universidade brasileira deve impedir o processo de perda de jovens pesquisadoras e pesquisadores que têm sido obrigados a desenvolver suas carreiras fora do país, diante da falta de condições adequadas de trabalho. Um país que se acostuma com tal "fuga de cérebros" está condenado ao atraso. Da mesma forma, uma universidade híbrida como a USP, ao mesmo tempo "de massa" (mais de 100 mil alunos) e "de pesquisa" deve ter salários compatíveis com o enorme empenho de seu corpo docente para desempenhar essa dupla natureza de nossa instituição. Universidades sempre lembradas, como Harvard, Yale, Oxford, têm, em média, um quarto do tamanho da USP, podendo se dedicar a ser centros de excelência.

Porém, para dar conta de tais desafios, faz-se necessário que a própria composição da reitoria e vice expresse a pluralidade da USP, sua profunda inserção nas áreas de exatas, biológicas e humanas. Deveria ser regra que as chapas da USP fossem compostas também por quadros de humanas, área tão atacada nestes últimas anos por setores que só querem a regressão nacional. A associação entre um médico e uma socióloga representa bem as preocupações que a universidade deve ser capaz de ouvir.

A USP precisa de um rumo mais condizente com o novo horizonte de lutas que a universidade é chamada a desempenhar no Brasil de hoje. As universidades se demonstraram espaços fundamentais de criação e resistência. A USP precisa de uma direção que não tenha receio de assumir tal vocação em voz alta.

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