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As ruínas do teto de gastos

Alteração está errada na forma e no escopo e eleva o desgaste institucional

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Pouco afeito a regras que não lhe beneficiem, Jair Bolsonaro propôs mudanças intempestivas no teto de gastos para implementar o confuso Auxílio Brasil. Com o custo político de se ir contra uma medida com forte apelo social e a possibilidade de mais emendas, o centrão encampou a ideia, e ela virou dispositivo da PEC dos Precatórios.

O teto não é sem controvérsias. Porém, entre economistas de diferentes matizes há certo consenso de que regras fiscais que incidam sobre gastos são as melhores para se auferir responsabilidade fiscal. Logo, existe ponto comum sobre a necessidade de regras, embora se debata sua forma.

Entretanto, há dois problemas processuais da ruína do teto de gastos. Por um lado, eventuais aperfeiçoamentos do teto deveriam ter ampla discussão. Em 2016, quando foi proposta a emenda constitucional 95, que instituiu o teto, houve grande debate público. Quando a emenda foi aprovada, o debate foi democrático e houve tempo de a sociedade conhecê-la.

Por outro lado, reformas no teto deveriam construir uma regra fiscal consistente com as necessidades do país no curto, médio e longo prazo. Mudanças de regra não devem ter fim eleitoreiro. Mas foi esta a intenção da aliança Bolsonaro-centrão, costurada pela ala política do governo e abençoada por Paulo Guedes.

Melhorias no teto são discutidas há tempos. Destaca-se ser preciso espaço para ampliar políticas sociais (sobretudo no pós-pandemia), resgatar o investimento público, maiores serviços de saúde, educação, proteção ambiental, ciência e tecnologia. Tem-se entre críticos e apoiadores do teto disposição ao diálogo para buscar incorporar as várias demandas legítimas do desigual Brasil.

Não bastassem a razão e a celeridade questionáveis da mudança do teto, somam-se a isso problemas de natureza técnica.

Embora a mudança proposta permita o pagamento do Auxílio Brasil no ciclo eleitoral de 2022, nos anos seguintes não se sabe como custeá-lo. Para piorar, o programa Bolsa Família foi extinto, prejudicando a qualidade e a perenidade do auxílio e podendo criar um limbo em futuro próximo.

Ademais, constrói-se o espaço no teto mudando-se a data de apuração do indexador, o IPCA, de julho de um ano a junho do seguinte para janeiro a dezembro do mesmo ano. A mudança parece simples, mas é tecnicamente problemática, pois o período julho-junho traz o valor efetivo e não uma projeção do teto na lei orçamentária anual.

O resto do espaço fiscal virá da rolagem de precatórios pela União. Precatórios são dívidas de decisões judiciais. Para 2022, seu volume é excepcionalmente alto, quase R$ 90 bilhões —dos quais R$ 16 bilhões são passivos do extinto Fundef e poderiam estar "extrateto", como as despesas do Fundeb, conforme apontado em relatório da IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado. Para evitar que precatórios ocupem a folga no teto, o governo propôs uma PEC para limitar seu pagamento em cada lei orçamentária, e o Congresso está em vias de aprová-la.

O espaço furado no teto será de R$ 85 bilhões a R$ 95 bilhões, o que piorará o déficit primário. Aí reside outro problema: a multiplicidade de regras fiscais, tema que também precisa ser debatido com transparência —por sinal, como ocorre agora na União Europeia.

Tão importantes quanto as questões processuais e técnicas da ruína do teto são os efeitos das mudanças de regra promovidas pela aliança Bolsonaro-centrão a bem de seus interesses eleitorais.

Regras são contratos para organizar a vida em sociedade. Mudanças constantes e regras mal desenhadas (sejam fiscais, de benefícios sociais ou quaisquer outras) geram instabilidade e contrariam o aspecto estabilizador esperado delas, prejudicando a economia: eis o Brasil atual.

A alteração proposta por Bolsonaro está errada na forma e no escopo, e em nada contribui para aprimorar o teto. Atropela o debate sobre a necessidade de se aperfeiçoar o teto para proteger gastos sociais e investimentos e contribui para elevar o desgaste institucional.

Se aprovada a mudança como proposta na PEC dos Precatórios, o desejável e indiscutível efeito positivo da expansão do Bolsa Família, na forma do Auxílio Brasil, ocorrerá à custa de efeitos negativos consideráveis.

Débora Freire
UFMG

Élida Graziane Pinto
FGV-SP e MPC-SP

Fábio Terra
UFABC e PPGE-UFU

João Prates Romero
UFMG

João Villaverde
FGV-SP

Leonardo Ribeiro
Analista do Senado Federal, especialista em contas públicas

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