VÁRIOS AUTORES (nomes ao final do texto)
Para defender mais tempo de internação para adolescentes, os autores do artigo "ECA não é norma pétrea" (22/10), publicado nesta Folha, utilizaram exemplos isolados de atos infracionais praticados em São Paulo. No argumento, evidencia-se a seletividade do sistema de Justiça juvenil, mas sem aprofundamento sobre a violência estatal e os riscos do clamor populista pela responsabilização individual. A solução proposta revitimiza tal público, "com baixa escolaridade, sem preparo para o trabalho e com pouco vínculo familiar", em unidades superlotadas, insalubres e marcadas por práticas de tortura.
De acordo com o relatório do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), publicado em 2019, maior ou menor tempo de internação não acarreta diminuição da reincidência —como afirmado—, mas sim a qualidade do atendimento socioeducativo, tanto na dimensão sociopedagógica quanto na garantia de direitos para um público com trajetórias anteriores de não acesso aos direitos mais básicos.
Passados mais de 31 anos da publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), constata-se que nem os estados nem o DF internam adolescentes em "estabelecimento educacional", conforme relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), publicado em 2014. Além disso, tentativas de modificar a Constituição de 1988 e o ECA acontecem desde as suas publicações, a exemplo da PEC 171/1991 sobre a redução da maioridade. Isso um ano após a publicação do estatuto, sem que houvesse tempo para a construção de iniciativas capazes de implementar as previsões legais. Embora no plano formal o ECA seja moderno e homogêneo para o conjunto infantojuvenil, ele permanece menorista-racista-classista, ou seja, são os corpos negros e periféricos os principais alvos da criminalização, havendo, para eles e elas, uma agudização da não efetivação de direitos.
O discurso punitivista veiculado pelos autores nos parece superficial e não está voltado para uma reflexão essencial: o cuidado devido a crianças e adolescentes. A punição que o adolescente recebe não é branda, conforme crê parte da população, valendo aqui citar o último Comentário Geral das Nações Unidas (nº 24), que constata que a média de idade mundial para o início da punição é 14 anos, enquanto no Brasil começamos a punir aos 12.
Ademais, não se identifica a real socioeducação no país. As ditas responsabilização e socialização não vêm acompanhadas de atendimentos psicossociais, de educação formal e profissionalizante —e nem de acesso ao esporte, por exemplo. No lugar disso, prevalece a primazia pela segurança interna da unidade e o uso de castigos, torturas e maus-tratos.
Os argumentos apresentados, além de inconsistentes, mascaram o fato de a violência ser produzida por desigualdades e racismo estrutural. Punir adolescentes mais severamente não mudará o ciclo da violência, no qual tal público já está inserido como vítima. Esperamos que o Legislativo cumpra o papel que lhe foi atribuído pelo constituinte: crianças e adolescentes são prioridade e devem acessar todos os direitos e deveres constitucionais.
Daniel Melo
Psicólogo especialista em análise institucional e esquizoanálise
Erica Fortuna
Advogada e jornalista
Thaisi Moreira Bauer
Advogada e especialista em ciências penais
Lívia Rebouças da Costa
Psicóloga especialista em psicologia social e comunitária
* Os autores são membros da Coalizão pela Socioeducação
TENDÊNCIAS / DEBATES
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