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Roberto Livianu

Do pacote pró-corrupção às eleições

Candidatos que lideram pesquisas ostentam histórico nada recomendável

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Roberto Livianu

Procurador de Justiça e doutor em direito pela USP, é idealizador e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção

Em pouco mais de dez meses, elegeremos representantes nas Assembleias Legislativas, governos estaduais, Câmara dos Deputados e Presidência da República por quatro anos. No Senado, por oito.

Lembremo-nos disto porque, nas últimas eleições municipais, em 2020, um ex-prefeito de Cocal (PI) afirmou a plenos pulmões e em praça pública ser homem digno por ter roubado menos que o atual. Ou seja, para ele roubar é regra, sendo honestos os que roubam pouco e desonestos os gulosos que roubam além da conta.

O adhemarismo assim foi denominado pela demagogia populista proverbial baseada em grandes obras e tem seu líder, Adhemar de Barros, mencionado como o primeiro político "rouba, mas faz" —alcunha que até hoje também acompanha um conhecido ex-prefeito e ex-governador biônico de São Paulo.

Vassourinhas já foram símbolos usados há algumas décadas para prometer que se varreria toda a corrupção do país, e um outro ex-presidente, com discurso em tom messiânico e conhecido como "caçador de marajás", foi cassado por atos de corrupção. Mas, em virtude do poderio midiático de sua família, e da memória curta do povo, continua na cena política com reiterados mandatos de senador da República.

Um outro ex-presidente, oriundo do mundo sindical, fez diversas campanhas com o bordão "xô, corrupção" e, mesmo tendo sido seus processos criminais anulados, é essencial registrar que continua réu. Não foi absolvido em nenhum dos quatro, e seu partido político até hoje jamais puniu qualquer um de seus quadros condenados pela Justiça. E foram muitos. Jamais se fez qualquer mea-culpa.

O atual presidente, na campanha de 2018, assumiu o compromisso fundamental do combate à corrupção, mas o que se vê é exatamente o oposto —atos de corrupção apontados pela CPI, opacidade, hostilidade contra jornalistas, filhos suspeitos de crimes graves e suspeitas sobre aliados políticos na Câmara e no Senado. Destaca-se aqui o líder na Câmara defendendo em público o nepotismo e envolvido em casos de improbidade e em compra suspeita de vacinas; no Senado, o vice-líder foi flagrado com mais de R$ 33 mil nas nádegas, incluindo em abundância a nova cédula de R$ 200, com cuja divulgação o governo federal gastou mais do que com a prevenção à pandemia de ​Covid-19.

Neste governo, aliás, editou-se a medida provisória 966, que blinda agentes públicos, além do apoio maciço àquilo que Conrado Hübner Mendes chama corretamente de "pacote pró-corrupção": a PEC 32 (reforma administrativa), inflando a máquina pública com cabides de cargos de confiança; a PEC 5 (vingança contra o Ministério Público), minando a independência funcional do MP para poder subjugá-lo politicamente; a lei 14.230/21, ou a "não lei" de improbidade, que cria prazos maravilhosos de prescrição em benefício dos próprios parlamentares que votaram em favor do projeto e que serão beneficiados, entre outros gravíssimos pontos que estraçalham a antiga regra; e a escandalosa PEC 23, dos precatórios ou do calote, com direito à mudança de regimento da Câmara aos "40 minutos do segundo tempo", como se diz no futebol, para garantir votos de deputados que estavam na Escócia.

Como se isso não fosse suficiente, acrescento ainda o esmagamento da Lei da Ficha Limpa e a prática nefasta do Orçamento secreto, patrocinados pelo governo federal e sobre a qual a ministra Rosa Weber, em decisão histórica, acaba de determinar a suspensão de pagamentos relacionados a tais emendas.

Mesmo com a OCDE —onde o Brasil postula assento— decidindo monitorar nossa ação anticorrupção e diante de tantos retrocessos, as candidaturas que lideram a disputa presidencial nas primeiras pesquisas ostentam histórico nada recomendável em matéria de combate à corrupção, como dito acima.

De nada adiantam mitos, bordões, balas de prata ou capas de super-heróis. É vital que revertamos o "pacote pró-corrupção" construindo uma verdadeira política pública contra os malfeitos, com proposições em matéria de transparência, integridade e prevenção que sejam examinadas seriamente pela sociedade. Isso é vital para que educação, saúde, saneamento, meio ambiente e segurança, por exemplo, tornem-se sustentáveis.

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