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Escolher morrer

Legalização da eutanásia avança em vários países, mas Brasil parece distante de debate maduro

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Mulher branca e loira, com as sobrancelhas arqueadas e a testa enrugada. Usa camiseta branca e brincos discretos nas orelhas. Está sentada ao ar livre, na frente de uma casa, com flores atrás.
Martha Sepúlveda, colombiana que sofre de esclerose lateral amiotrófica e quer ser submetida a eutanásia na Colômbia. - Reprodução/TV Caracol

Martha Sepúlveda tinha um encontro marcado com a morte no último dia 10, mas ele foi cancelado —e contra a sua vontade. Sepúlveda, 51, sofre de esclerose lateral amiotrófica, doença degenerativa incurável e progressiva, que vai paralisando os músculos do paciente.

Por enquanto, ela está bem, sendo ainda capaz de falar e sorrir. Nada indica que irá morrer por causa da moléstia em poucos meses, ou mesmo nos próximos anos.

Mas Sepúlveda vive na Colômbia, único país da América Latina que regulamentou a eutanásia. E Sepúlveda deseja morrer. Para ela, a angústia com o que a doença lhe reserva causa sofrimento intolerável.

Em julho, a Corte Constitucional colombiana revisou o alcance da legislação e passou a autorizar o procedimento também para pacientes não terminais. Abreviar a própria vida com auxílio médico tornou-se assim factível para Sepúlveda.

Na véspera da sessão de eutanásia que já estava marcada, porém, a clínica que a realizaria, por razões que ainda não estão de todo claras, decidiu cancelá-la. Sepúlveda recorreu à Corte Constitucional, que ainda não se pronunciou.

É possível considerar que Sepúlveda se precipita, ou que sua atitude contraria ensinamentos religiosos, mas soa até ofensivo sugerir que a decisão sobre viver ou morrer não cabe exclusivamente a ela. Na Colômbia, a eutanásia, cumpridos os requisitos legais, é um direito.

O número de países que regulamentam o procedimento tem crescido. A Holanda foi pioneira, em 2001. Em seguida vieram Bélgica, Canadá, Colômbia, Coreia do Sul, Espanha, Luxemburgo, Nova Zelândia e várias entidades subnacionais, como os estados de Oregon, nos EUA, e Victoria, na Austrália.

O movimento lembra bastante o da legalização do aborto, que começou em alguns países europeus e se espalhou por todo o mundo. Hoje, praticamente todas as democracias avançadas autorizam a interrupção voluntária da gravidez.

O Brasil, infelizmente, não está entre os países que já começaram a discutir a regulamentação da eutanásia de forma madura. Decerto não estamos no melhor momento para fazê-lo, com Jair Bolsonaro na Presidência e um Congresso de perfil conservador.

Para piorar, a pandemia lançou desconfianças sobre o sistema de saúde, especificamente sobre como ele lida com a morte. Não é, portanto, o caso de insistir agora, mas esse não é um debate que possa ser adiado indefinidamente.​

editoriais@grupolha.com.br

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