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Injustiça virtual

Audiências de custódia a distância desvirtuam metas e não atenuam encarceramento

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Preso é ouvido em audiência de custódia
Preso é ouvido em audiência de custódia virtual no Maranhão - Divulgação

Criada em 2015 para garantir os direitos de presos, inclusive os de não sofrer tortura e não ser submetido à prisão ilegal, a audiência de custódia consiste em apresentar a pessoa encarcerada ao juiz em no máximo 24 horas desde o flagrante ou o mandado.

Pela lei, o magistrado pode manter a prisão, convertê-la em preventiva, optar por medidas cautelares ou mesmo pela libertação.

Na prática, as alternativas têm sido pouco utilizadas: dados sobre 2.774 casos ocorridos de abril a dezembro de 2018 em 13 cidades de nove estados do país apontam que menos de 1% das audiências resulta em que o acusado possa responder ao processo em liberdade sem cumprir medidas cautelares.

Tampouco o ambiente em que tais procedimentos ocorrem permite que um dos seus principais objetivos seja realizado —o relato de eventuais maus-tratos e tortura.

Conforme relatório elaborado em 2019 pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), em parceria com o Conselho Nacional de Justiça, em quase todos os casos acompanhados (96%) havia agentes de segurança na sala, além do uso indiscriminado de algemas.

É nesse contexto que se inserem as audiências de custódia virtuais, realizadas durante a pandemia, conforme permissão do ministro Luiz Fux, presidente do CNJ.

Criticadas por especialistas por não permitirem a avaliação presencial das condições físicas da pessoa presa, elas agravaram as violações já praticadas antes da Covid-19.

O número de procedimentos caiu de 222 mil em 2019 para 66 mil no ano passado. A maioria não segue os protocolos estabelecidos pelo CNJ, segundo levantamento do próprio conselho em outubro.

Em mais da metade (52,9%) dos estabelecimentos onde se realizam audiências em 25 capitais, não há câmeras que permitem que se veja toda a sala, e um percentual idêntico dos locais não conta com câmeras externas —duas exigências para garantia de privacidade.

Para serem eficazes, esses encontros não podem ser meras formalidades. É urgente que, à medida que a situação pandêmica dê indicativos de melhora, o Judiciário os tome presenciais, adotando regulação mais estrita no sentido de assegurar melhores condições.

Sem essas e outras garantias legais, o sistema penitenciário brasileiro —já sobrecarregado, brutal e injusto— perpetuará suas distorções, mesmo diante de instrumentos que deveriam reduzi-las.

editoriais@grupofolha.com.br

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