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Emanoel Araujo

Museu Afro Brasil resiste ao apagamento da cultura preta

Espaço em São Paulo tem por ética tocar na autoestima do nosso povo

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Emanoel Araujo

Artista plástico, é fundador, diretor e curador do Museu Afro Brasil

Pioneiro em fomentar arte, história e memória num espaço de trocas de conhecimento contra o costumeiro apagamento da cultura preta, o Museu Afro Brasil nasceu na cidade de São Paulo, em 2004, em meio à velha e traiçoeira ambiguidade brasileira da injúria racial, do preconceito, do racismo, da indiferença e da impunidade que assolam esse torrão nacional nestes mais de 400 anos de atrasos.

Apesar da sua essencialidade, foram anos de dura luta a partir da ideia de criá-lo —da ex-prefeita Marta Suplicy, no último ano de seu mandato, à busca por seu pertencimento municipal e seus contrários, que sempre foram muitos. E agora, já há 12 anos, por iniciativa do ex-governador José Serra, uma organização social de cultura tem garantido a continuidade do museu, resistindo bravamente à imposição de uma cultura predominantemente branca, oligárquica e ainda hoje escravocrata.

O pioneirismo desse espaço cultural, referência para todo o país, começa com os fundamentos do livro "A Mão Afro-Brasileira", escrito para celebrar os cem anos da abolição, que andou pelo mundo mostrando a grande contribuição dos africanos e dos afro-brasileiros na construção da identidade nacional e em todas as áreas do conhecimento, da cultura, da ciência, produzindo, ainda e ao mesmo tempo, riquezas nos diferentes períodos da vida brasileira. Riquezas que foram do gado à cana-de-açúcar, do ouro aos diamantes e pedras preciosas e, por fim, o café, que gerou os famosos barões do café, fundamentais para o desenvolvimento de São Paulo.

A denúncia do assassinato brutal de George Floyd e as grandes manifestações do povo norte-americano contra o crime daquele policial sobre seu pescoço —​que mostraram a enorme diferença entre brancos e negros, o tal racismo estrutural, fazendo surgir o brado de milhares e milhares em manifestações por todo o país proclamando que "vidas negras importam"— escancararam os olhos cerrados da vida nacional brasileira, apática e indolente, e a ambiguidade que paira sobre os negros e brancos daqui.

Celebremos, pois, a existência do Museu Afro Brasil, cuja ideologia é politicamente contra o apagamento de homens e mulheres que desafiaram, com seus comprometimentos, a fazer do Brasil sua esperança como legado histórico e a construir um país capaz de reconhecer o quanto significaram as mudanças culturais e sociais desse torrão nacional.

O que se conta nesses espaços do pavilhão Manoel da Nóbrega, no parque Ibirapuera —construído pelo arquiteto Oscar Niemeyer, com seus 12 mil m2, através das mais de 8.000 obras do seu acervo ímpar no mundo— é que isso, sim, é "coisa de preto": do navio ao trabalho, da criação artística dos escultores, pintores e poetas à produção dos cientistas, editores, escritores, atores, religiosos e doutores.

A arte africana poderia ter vindo através dos artistas no navio negreiro, assim como os orixás, fato de resistência da vida espiritual de todos nós, afro-brasileiros.

Esse museu tem por ética tocar na autoestima do nosso povo; o que, aliás, vale lembrar agora mesmo, quando outros museus e galerias de arte desta cidade saem das suas tipologias e conceitos para se engajarem nesse mister do conhecimento, da arte e da história de todos para todos.

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