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O que é um padrão de vida digno no Brasil de hoje?

Metodologia permite definir e mensurar a pobreza além da renda familiar

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Identificar os elementos para um padrão de vida digno no Brasil é o mote da investigação desenvolvida por pesquisadores da Unicamp e da Universidade de Cardiff (Reino Unido). Busca-se estabelecer consenso nacional sobre o que é necessário para que todas e todos tenham dignidade no país, o que contribui para orientar políticas públicas a fim de cumprir a ODS (Objetivo de Desenvolvimento Sustentável) 1: a erradicação da pobreza em todas as suas formas.

A metodologia da Abordagem Consensual, que foi desenvolvida pelos jornalistas britânicos Joanna Mack e Stewart Lansley e é reconhecida por especialistas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), parte do debate coletivo sobre condições de vida digna, considerando as peculiaridades do lugar em que se vive. Grupos representativos da população são chamados a entrar em consenso sobre quais itens, atividades e serviços são imprescindíveis para a dignidade. Aos participantes, é perguntado sobre seu padrão de vida, o que possibilita inferir quais grupos estão privados de viver dignamente, o que é definido por consenso estabelecido socialmente.

No lastro da teoria das privações relativas de Peter Townsend, a Abordagem Consensual facilita a compreensão da pobreza em suas várias formas, situando a diferença das necessidades de vida para crianças e adultos, com vistas à garantia dos direitos sociais e fundamentais da Constituição brasileira e na Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU, promovida pelo Unicef.

Nas últimas décadas, a metodologia foi aplicada nos cinco continentes; recentemente, na Argentina e no México. No Brasil, seu uso foi inaugurado em 2019, com a realização de grupos focais em Campinas (SP), nos quais foram estabelecidas as necessidades para garantia da dignidade no país. Em 2020, durante a pandemia, outra etapa foi realizada com a aplicação de um questionário em bairros da cidade de São Paulo com o suporte do Ministério Público do Trabalho e das associações de moradores, o que ampliou o consenso sobre essas necessidades.

Agora, a terceira etapa expandiu o uso do questionário para mais de 2.300 domicílios na capital paulista. Os resultados mostram amplo consenso na amostra (superior a 80%) sobre o que se considera um padrão de vida aceitável, considerando as necessidades materiais e sociais, como alimentação, vestimenta e artigos de higiene pessoal, acesso a serviços básicos (água, saneamento e transporte público), e atividades sociais, como presentear familiares e amigos em datas especiais. Largo consenso também foi encontrado quanto à necessidade de uma renda básica universal, com concordância de mais de 60%.

Entre os participantes que estudaram até o ensino médio, há consenso ainda maior: mais de 80% concordam que uma renda básica universal é necessária.

As privações encontradas indicam que em quase um terço dos domicílios não há como poupar para emergências, nem para reparos e manutenções da casa. A alimentação desse grupo é afetada no consumo diário de determinados alimentos, em especial vegetais, frutas e proteína animal. Quase um quarto das famílias com crianças não consegue arcar com os custos de educação e mais de um terço não tem acesso a atividades complementares (aulas de reforço e esportes), que são percebidos como necessidades nas vidas das crianças pela maioria dos participantes. Logo, considerar que na cidade mais rica do país 20% das crianças têm sua permanência na escola prejudicada ou ameaçada é um dado preocupante.

Os resultados demonstram a possibilidade de definir e mensurar a pobreza a partir de outras dimensões que não apenas a renda. O consenso, se alcançado democraticamente e com efetiva participação social, torna-se um guia para a construção de políticas públicas que visam garantir vida digna para todas e todos —sobretudo diante de uma crise sanitária, econômica e social.

Shailen Nandy
Professor na Universidade de Cardiff (Reino Unido)

Flávia Uchôa de Oliveira
Doutora em psicologia social (USP)

Ana Elisa Spaolonzi Queiroz Assis
Professora na FDSM (Faculdade de Direito do Sul de Minas) e Unicamp

Luís Renato Vedovato
Professor na PUC-Campinas e Unicamp

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