Descrição de chapéu
Mirocles Véras

Piso para enfermeiros afeta instituições filantrópicas

Projeto em discussão no Congresso gera gasto extra de R$ 6 bilhões para santas casas e hospitais

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Mirocles Véras

Presidente da Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos (CMB)

O projeto de lei nº 2.564/2020, que cria um piso salarial para enfermeiros, técnicos de enfermagem, auxiliares de enfermagem e parteiras, pautado para discussão nesta quarta-feira (24) no Congresso, caso aprovado causará uma elevação nas despesas na ordem de R$ 6 bilhões ao ano, isso somente para as santas casas e hospitais filantrópicos. É impossível para um setor que ano após ano registra déficits bilionários suportar esses custos.

Os profissionais de enfermagem, os médicos, fisioterapeutas, farmacêuticos e todos os profissionais de saúde são heróis do combate à pandemia, não há dúvidas quanto a isso. O trabalho deles na linha de frente do cuidado foi e sempre será essencial em qualquer momento da história da saúde. Durante a pandemia, presenciei mulheres e homens colocando a própria saúde em risco, dia após dia, no limite do esgotamento, para salvar a vida e amenizar o sofrimento dos milhares de pacientes que passaram por nossos hospitais durante a emergência que matou mais de 600 mil brasileiros.

Não consigo imaginar categorias que mereçam tanto nosso respeito, seja pelo aumento de salários ou pelas honras que formos capazes de oferecer. Mas o imenso respeito que tenho por esses profissionais também me impõe o compromisso de ser honesto e transparente em todas as ocasiões, sem evasivas, mesmo quando a notícia é ruim. As santas casas e hospitais filantrópicos não têm como arcar com as obrigações financeiras e todo o efeito cascata que a aprovação desse PL vai impor.

Essa realidade, aliás, não é surpresa para os profissionais que estão ao nosso lado há décadas tentando manter a qualidade assistencial do sistema filantrópico, apesar de todas as dificuldades financeiras. Como espinha dorsal de um sistema que se vira para sobreviver com uma remuneração que cobre apenas 60% dos nossos gastos com o atendimento público, sabem que não há recursos disponíveis. Recebemos R$ 100 para cada R$ 60 empregados no SUS, e eles conhecem bem esta realidade. Precisamos de mais entradas, não de mais saídas. Estou certo de que nossas equipes de enfermagem compreendem que a aprovação desse projeto agora —sem mais discussões e/ou novas fontes de financiamento— será mais um foco de problemas do que solução.

Os profissionais de enfermagem são a base dos hospitais e, por consequência, do sistema de saúde público e privado. E essa importância é proporcional nos custos, é claro. Sua remuneração, por exemplo, representa mais de 50% do valor da folha de pagamento, que é o item mais elevado na formação dos custos.

Dos quase 1,2 milhão de profissionais de enfermagem e parteiras do Brasil, a maior parte (39,7%) está empregada no setor público, 33% no setor privado sem fins lucrativos e 27,4% em empresas privadas com fins lucrativos. O piso proposto pelo PL 2.564 seria equivalente a R$ 7.315, sendo que atualmente 80,5% dos enfermeiros recebem menos do que o valor proposto. O impacto anual estimado em todo o território nacional supera a vultosa marca de R$ 50 bilhões, superando até mesmo o orçamento do Auxílio Brasil. Os sistemas público e privado, além dos beneficiários de planos de saúde, não têm como financiar isso.

A CMB (Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos) e as instituições que ela representa são totalmente favoráveis às iniciativas que remunerem melhor nossos profissionais da enfermagem e as parteiras, todos indispensáveis para o bom funcionamento dos nossos hospitais. Assumimos o compromisso de trabalhar ao seu lado nessa luta, mas antes devemos, todos, proteger a saúde de um sistema complexo e subfinanciado.

É preciso ampliar a discussão em torno desse PL para apontar, realisticamente, qual será a fonte de financiamento dessa recomposição salarial. Não há como falar em aumento de despesas para as santas casas sem um reajuste significativo da tabela do SUS, por exemplo. Sem essas considerações, o PL vai trazer ainda mais problemas para um sistema de saúde que respira por aparelhos.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.​

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.