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Paulo Sergio Gonçalves

Racismo na literatura e o dilema da utopia

Como lidar com a manutenção de estereótipos?

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Paulo Sergio Gonçalves

Professor, é coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Estácio e doutorando em literaturas africanas

As questões que envolvem as relações étnico-raciais e a situação do negro nos diversos motes e campos da sociedade são, de certa forma, resultado de muitos anos de luta dos movimentos negros, dos militantes e de pessoas ilustres como Abdias do Nascimento e Lélia Gonzalez, entre outros.

Discute-se a situação do negro na contemporaneidade, na sociedade, nos ambientes de trabalho, na mídia, na academia, nos espaços de poder; enfim, o negro e sua condição. Por outro lado, sabemos que a literatura formada em um país possui papel muito importante para a construção do imaginário social como veículo histórico. Na escola, ela é o primeiro contato de muitas crianças com o mundo lúdico.

Mesmo num país de poucos leitores (infelizmente), a literatura assume tais papéis e está presente nas escolas, nas universidades e no cotidiano da criança, do jovem e do adolescente. Sendo assim, como lidarmos com uma nação que traz, no seu cânone literário, obras que contribuem de forma indelével com a manutenção de alguns estereótipos e espaços criados desde a época colonial? É assim que vemos acontecer em obras como as de Monteiro Lobato, onde suas personagens usam expressões racistas e se dirigem de maneira discriminatória aos negros.

Dizer que a obra de Lobato é racista e afirmar (por meio de suas famosas cartas) que o próprio autor, que vivia numa sociedade racista (será que não vivemos mais?), era racista, é óbvio e fácil. Difícil, e digno de repensar, é como vamos ensinar literatura brasileira e Monteiro Lobato para nossos jovens a partir de tais apontamentos e discussões.

Nossos jovens, negros e não negros, têm o direito de saber dos pormenores que permearam os processos de criação de escritores como Nina Rodrigues, por exemplo. É preciso levarmos a sério as questões que envolvem o racismo e pararmos de discutir tudo isso de forma artificial.

No Brasil, costuma-se debater as relações étnico-raciais de forma muito rasa, pois para que uma sociedade racista se mantenha funcionando, evidentemente, é necessário que o racismo perdure e siga obedecendo ao mito da democracia racial (que muitos ainda defendem como realidade).

Várias soluções foram apresentadas, como a de trazer notas de rodapé para explicar os trechos racistas. Um especialista em Monteiro Lobato, contudo, alegou ser um desrespeito aos leitores, porque sugere que não teriam capacidade de entender. Também disse que precisamos de professores bem formados.

Novamente a roda gira e fica sem resultado. Será que podemos deixar nas mãos da estrutura do Estado a solução de um caso assim? O Estado, aquele com o qual os movimentos negros vêm reclamando há anos suas reivindicações.

Difícil questão. Concordo com o especialista, porém, quanto à necessidade de preparo de nossos docentes. Mas, para que essa seja uma solução "verdadeira", os demais atravessamentos que atingem o professor em formação teriam que ser aniquilados ou amenizados (ideologias, questões de raça, cor, etnia, formação europeizada, preconceitos). Portanto, nossos professores precisariam estar preparados para lidar com questões que envolvem as relações étnico-raciais na educação o ano todo. Será que somos, citando Pepetela, a "geração da utopia"?

TENDÊNCIAS / DEBATES
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