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Diego Pereira

Rui Barbosa e o rompimento da barragem de Mariana

O direito de ser lembrado faz parte da reparação a vítimas de tragédias

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Diego Pereira

Procurador federal na Advocacia-Geral da União (AGU), é autor de ‘Vidas Interrompidas pelo Mar de Lama’ (Lumen Juris)

Nesta sexta-feira (5) comemora-se o Dia Nacional da Cultura. Em homenagem a Rui Barbosa é que se dedicou a data de seu natalício à festividade cultural do país. Também foi em um 5 de novembro que o Brasil registrou o que foi considerado o maior desastre socioambiental de sua história: o rompimento da barragem de Fundão, em 2015, em Mariana (MG), que deixou 19 mortos.

Em que pese toda a contribuição do "Águia de Haia" para o campo do direito, da cultura, da diplomacia e da política, há um episódio que não se pode apagar da historiografia do país: a queima dos arquivos da escravidão por Rui Barbosa enquanto ministro da Fazenda, via decreto de 14 de dezembro de 1890.
Quando o artigo 216 da Constituição de 1988 prescreve que constitui patrimônio cultural do país a memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, o incidente de autoria de Rui Barbosa, lá no passado, serve para indicar a gravidade daquele ato que culminou com o apagamento sobre dados oficiais da escravização negra no país.

Sempre que se presencia violações de direitos, especialmente nas categorias dos desastres, é atribuição dos agentes violadores de tais direitos, bem como daqueles que têm o dever de cuidado e aplicação da lei, garantir que a memória coletiva não se perca no tempo. Nesses casos, o direito de ser lembrado faz parte da reparação às vítimas de tais tragédias, e essa mesma lembrança compõe o que se chama de direito fundamental à memória.

Grandes tragédias exigem a manutenção do direito à memória, seja para homenagear suas vítimas e lembrar que a Justiça às vezes é feita, seja para mostrar à presente geração e às futuras o horror daquele acontecimento e o necessário efeito pedagógico de não se repetir tal barbárie. Museus, estátuas e monumentos servem para tanto.

Eventos como a escravização negra no país, os horrores da ditadura, a tragédia de Mariana e as mortes pela Covid-19 são exemplos de eventos que não podem ser apagados da historiografia oficial e, portanto, componentes do direito à memória de um povo a ser preservada pelo poder público e pelos particulares.

Seis anos depois da tragédia de Mariana, o povo brasileiro já esqueceu da gravidade daquele acontecimento. A construção urgente de um monumento em homenagem às vítimas é o mínimo que se faz em memória de uma tragédia que não terminou.

A cultura é fenômeno dinâmico, inclusive com a admissão de revisitação histórica. Se não se pode alterar o evento "histórico" promovido por Rui Barbosa no século 19, que se possa olhar para frente e a partir de então reparar danos à história daqueles que formaram a sociedade brasileira —vide o importante papel da Comissão da Verdade da Escravidão Negra instituída pela OAB em 2015.

A história cultural de um povo não pode ser apagada por quem quer que seja, e esse é um dever da atual geração. Consciente de direitos e deveres na perspectiva dos direitos humanos, ela pode mudar o rumo de uma nação.

Que as histórias de vidas que circundam as tragédias sejam preservadas em memória dos que se foram.

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