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Laercio Lopes da Silva

Tem amparo legal demitir funcionário que se recusa a tomar vacina contra a Covid? NÃO

Dispensa se reveste de inocultável ilegalidade e inconstitucionalidade

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Laercio Lopes da Silva

Juiz titular da 5ª Vara do Trabalho de Barueri (SP), é mestre em direito do Estado (PUC-SP) e doutorando em direito político e econômico (Mackenzie)

É ilegal e inconstitucional a dispensa por justa causa de empregado que se recusa a tomar a vacina contra a Covid-19. Isso porque os princípios constitucionais que garantem o livre desenvolvimento da personalidade ou cláusula geral de liberdade e o núcleo de proteção da autodeterminação privada, exigidos pelo princípio da dignidade humana, protegem o trabalhador de dispensas arbitrárias em qualquer situação.

A dignidade humana aqui é analisada a partir de dois elementos, quais sejam: o direito ao livre desenvolvimento da personalidade ou cláusula geral de liberdade e o núcleo de proteção da autodeterminação privada. A intervenção em um direito fundamental somente se faz quando presente autorização constitucional para uma intervenção justificada, com ponderação de valores e suporte na proporcionalidade por exigência do interesse público.

A primeira objeção que colocamos contra aqueles que entendem pela legalidade da dispensa, já com uma certa perplexidade, é a de que não existe o tipo trabalhista "se recusar a tomar a vacina", o que se verifica de uma singela leitura do disposto no artigo 482, da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), e de outras leis esparsas. Ademais, os tipos trabalhistas têm natureza de "numerus clausus", eis que regem uma relação contratual assimétrica e tem um ser humano de um dos lados do contrato; portanto, o tipo deve guardar proporcionalidade com as principais cláusulas e regras do contrato, sob pena de se criar o que Marx denominava de mais-valia. Gustav Radbruch já advertia que o contrato de trabalho deveria ser interpretado com a consideração de que em um dos lados tem sempre um ser humano. Ora, se nem mesmo o Poder Judiciário pode atuar como legislador positivo, causaria absoluta perplexidade se isso fosse admitido ao empregador, pessoa privada.

A segunda objeção que trazemos, com o mesmo grau de perplexidade, está no fato de que o argumento singelo de que o direito do conjunto dos empregados deve prevalecer sobre o direito individual do empregado, que os coloca em risco ao não tomar a vacina, não tem o menor fundamento em direito como argumentação jurídica.

A terceira objeção se refere ao direito fundamental do empregado em não se submeter a qualquer tipo de intervenção médica ou que para tanto tenha que disponibilizar seu próprio corpo. Não querer se submeter à vacinação é um imperativo de consciência da convicção político-filosófica do empregado, direito fundamental resguardado pelo art. 5°, VIII, da Constituição Federal. Sendo um direito fundamental da pessoa o de não tomar a vacina, se este ato colocar efetivamente em risco pessoas em seu entorno, compete ao Estado criar mecanismos para a proteção das mesmas.

E assim o é, posto que a dignidade humana se sustenta no tripé: direito à vida e integridade física; de desenvolvimento pleno do direito de personalidade ou cláusula geral de liberdade; e de autodeterminação privada. Se em tema de direito público as intervenções justificadas somente se fazem com ponderação no interesse público, por certo que no âmbito privado o núcleo da autodeterminação é cláusula de pedra.

Ao perder o empregado o emprego por querer se valer de um direito constitucional, a dispensa se reveste de inocultável ilegalidade e inconstitucionalidade, como se estivéssemos em um estado de sítio, com medidas tomadas fora do admitido pela Carta de 1988.

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