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Carlos Tucci

Uma pandemia de dor nas costas

Lei que prevê maior acesso à fisioterapia no SUS traz alguma esperança

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Carlos Tucci

Médico ortopedista e cirurgião de coluna, é sócio do Instituto Vita de Ortopedia

Acaba de ser publicada a lei 14.231, determinando que o SUS deve integrar profissionais de fisioterapia e terapia ocupacional na estratégia do Programa de Saúde da Família. Como especialista em doenças da coluna, confesso que essa lei me traz alguma esperança de que a chamada "dor nas costas" possa ser olhada e tratada de forma mais adequada do que hoje.

Poucas pessoas sabem, mas essa é a razão mais comum da busca por atendimento médico no mundo e, segundo o painel "Global Burden Diseases", de 2020, afeta entre 500 e 600 milhões de adultos em idade produtiva, sendo o fator número um de concessão de benefícios previdenciários, com impactos sociais e econômicos maiores que os causados por doenças cardiovasculares e cânceres.

Casos de dores nas costas aumentaram com o crescimento do home office na pandemia - Personare

Ocorre que a desinformação faz com que a população busque de forma ansiosa e equivocada a solução para o seu problema, e muitos médicos, no afã de atender seus pacientes, acabem adotando uma abordagem convencional muitas vezes custosa e ineficaz. Os casos tendem a ser "ultramedicalizados", com realização de exames desnecessários (em 95% dos casos a causa da dor nas costas não é visível em exames), tratamentos, hospitalizações e procedimentos, além de um alto número de concessão de benefícios trabalhistas.

Igualmente preocupante o fato de pesquisas apontarem um crescente aumento da dependência química e psíquica de opioides, usados para controle da dor. Há situações graves para as quais a cirurgia ou outro tipo de intervenção é necessária? Claro que sim! Mas os casos graves são algo em torno de 5%.

Como regra, dor nas costas tem que ser encarada como um evento comum na vida das pessoas, relativamente benigno, para a qual se recomenda a manutenção das atividades cotidianas, já que na imensa maioria das vezes tem melhora espontânea. É preciso mudar a relação com essa doença. E como fazer isso?

Segundo o "Plano de Ação para Prevenção e Controle de Doenças Não Transmissíveis da Organização Mundial da Saúde" (OMS) para os anos de 2016 a 2025, é preciso ampliar e especificar os dados epidemiológicos e previdenciários sobre doenças da coluna. Isto é necessário para conscientização dos gestores públicos sobre a enorme carga causada pela doença nos sistemas de saúde pública e previdência social.

Em seguida, promover a criação de políticas e estratégias abrangentes de prevenção e atendimento. Por exemplo, difundir o conceito da saúde positiva direcionada à coluna: incentivo à atividade física regular e outros hábitos de vida saudável, além da divulgação dos conceitos científicos confiáveis (benignidade, recuperação espontânea, evitar absenteísmo e medicações, papel dos exames etc).

Em 2000, o Estado de Victoria, na Austrália, fez uma campanha maciça nesse sentido e, três anos depois, pôde avaliar a efetividade de uma ação dessa natureza, já que a população se mostrava muito mais consciente e conseguindo lidar melhor com a doença.

Meu otimismo com a nova lei é que, dentre as diretrizes da OMS para o enfrentamento da questão, está justamente a necessidade de maior acesso a profissionais de fisioterapia nos serviços de saúde pública, em especial nos países de baixa e média renda. Seu papel seria na primeira linha de cuidado do paciente com dor nas costas (através de medidas de controle à dor); na triagem dos sinais de alerta (exames clínicos que permitem determinar o risco do sintoma de dor de determinado paciente ser consequência de um diagnóstico mais grave como tumores, infecção, fratura ou doença neurológica); e na promoção da saúde positiva, atividade física específica e hábitos de vida saudável.

Como uma pequena parte das dores na coluna são eventualmente oriundas de doenças graves e que precisam de diagnóstico e intervenção precoces, é necessário um serviço de atenção primário atento e capaz de encaminhar o quanto antes o paciente para cuidado especializado. Para a maioria imensa dos casos, no entanto, uma orientação coerente e cuidados de controle de dor precoces são suficientes para esse passo necessário no controle dessa pandemia duradoura que é a dor nas costas.

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