A favela mais forte que o vírus

A pandemia é como um naufrágio, mas o afogamento é seletivo, com critérios claros de cor, cep, classe e sexo

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Preto Zezé

Presidente nacional da Cufa, escritor e membro da Frente Nacional Antirracista

A pandemia foi um caos para o mundo, em particular para o nosso país com tamanhas desigualdades. Ela amplificou problemas estruturais já existentes e aumentou os desafios que enfrentamos todos os dias.

Muitos perguntam como conseguimos números tão expressivos num mundo caótico, com mais de 20 milhões de pessoas atendidas através de mais de R$ 500 milhões arrecadados e transformados em cestas, chips, botijão de gás, material de higiene e limpeza e transferência diretas para as mães das favela.

Organizado pela Central Única das Favelas, projeto Mães da Favela instala torres de wifi livre em favelas atendidas
Organizado pela Central Única das Favelas, projeto Mães da Favela instala torres de wifi livre em favelas atendidas - Marlene Bargamo/Folhapress

Esse mundo caótico a que todos conheceram é o habitat da maioria da população que vive em favelas e periferias do país, que, enquanto se falava em ficar em casa ou álcool em gel, mais de 45% dessa gente batalhadora nem tinha sabão e água regularmente saindo nas torneiras.

Muitos até hoje nunca souberam o que é ficar em casa, já que tiveram que manter o país andando, lotando ônibus, trens, metrôs e vans para ir trabalhar, limpando as ruas, sendo a massa de trabalhadores da saúde que manteve hospitais andando, mesmo correndo riscos. Foi esse povo que se refez, que entrega o alimento que você pede no aplicativo, que atende no posto de gasolina, cuida de estoque e atendimento do supermercado, mantém farmácias abertas, só para citar algumas atividades essenciais ao país, mas que não foram priorizadas no primeiro processo de vacinação.

O tal distanciamento social é impossível de ser mantido devido às desigualdades já conhecidas, que distanciam milhões a direitos básicos, como saneamento, emprego, educação e serviços de saúde, dignos.

Lembro que, quando a OMS pediu a desativação de todas as atividades, fomos pegos de surpresa no que tínhamos de mais sagrado na nossa rede: a mobilização. Mas já na primeira semana articulamos meios de comunicação, nossas lideranças em mais de 5.000 favelas, nossas redes de norte a sul do país, em 26 estados, no DF e em mais 20 países e partimos para uma guerra de vida ou morte, pois não era possível observar nossos pares sucumbindo sem perspectivas de dias melhores.

Chegamos ao final de 2021 certos de que somos mais fortes do que imaginávamos e de que é possível produzir engajamento em parceria com setor privado, o que evitou caos pior e criou o maior movimento de solidariedade que este país já viu.

O desafio é manter a esperança e trabalhar para que a solidariedade continue mais forte e mais contagiosa que o vírus, e que possamos produzir agenda pública que tenha como eixo a vida e o enfrentamento das desigualdades estruturais do país, pautando a política e os políticos, e continuar reduzindo os impactos da pandemia na vida dos mais vulnerabilizados.

A pandemia foi como um naufrágio, mas o afogamento foi seletivo, com critérios claros de cor, cep, classe e sexo.

Nossa missão é não deixar ninguém para trás.

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