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Cláudio E. M. Banzato, Paulo Dalgalarrondo e Eloisa H. R. Valler Celeri

A hora e a vez da saúde mental no currículo médico

Escolas têm o desafio de fazer com que demandas sejam atendidas de forma mais assertiva

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Cláudio E. M. Banzato

Médico psiquiatra, é professor titular do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

Paulo Dalgalarrondo

Médico psiquiatra, é professor titular do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp

Eloisa H. R. Valler Celeri

Chefe do Departamento de Psiquiatria da FCM-Unicamp

O reconhecimento de que "não há saúde sem saúde mental" avançou de forma significativa nas últimas duas décadas. No entanto, tais palavras de ordem da Organização Mundial da Saúde ainda não foram efetivamente traduzidas em termos práticos nos currículos da maior parte das escolas de medicina de nosso país. Os conteúdos e habilidades de saúde mental e psiquiatria ocupam um espaço bastante periférico na formação dos médicos, sendo abordados, se tanto, dentro de uma lógica de especialidade e não da grande área que a saúde mental efetivamente constitui e que julgamos fundamental para a formação geral dos médicos.

A prevalência dos transtornos mentais é alta e, além do enorme ônus direto que acarretam, em termos de sofrimento psíquico e incapacitação social e laboral, eles impactam fortemente em outras doenças, sobretudo as crônicas, e em seus tratamentos. As pessoas com transtornos mentais graves, por sua vez, têm a sua saúde física negligenciada e não recebem os cuidados em saúde de forma equitativa. Elas têm uma expectativa de vida reduzida em ao menos uma década em relação à população geral.

Ora, como explicar o flagrante descompasso entre a ampla percepção do crescente ônus social dos transtornos mentais, em um mundo que se transforma rapidamente, o que é ainda mais evidente desde o início da pandemia de Covid-19, e a timidez das iniciativas relacionadas à formação de profissionais para o enfrentamento dos desafios do campo da saúde mental?

Seguramente, o estigma associado ao transtorno mental e, por extensão, à própria especialidade médica que o trata, a psiquiatria, desempenha um papel relevante nisso. O fortalecimento recente da identidade médica da psiquiatria não parece ter sido suficiente para apagar parte considerável dos preconceitos que sempre cercaram a especialidade. Em ambientes hospitalares, não é incomum a referência ao chamado "paciente psiquiátrico", como se padecer de um transtorno mental fosse a característica definidora de um tipo de pessoa, com menor valor e, portanto, indesejável. Nada menos que preconceito arraigado e nefasto.

Observamos que os estudantes de medicina ao iniciar o contato com a clínica tipicamente manifestam profundo interesse pelas pessoas e não apenas pelas doenças que as acometem. Mas isso tende a se perder ao longo da formação, pois a mensagem subjacente que recebem é que tal interesse, ainda que seja algo desejável, não pertence ao cerne da atuação do médico. Mais do que isso, a subjetividade do paciente, ao longo do curso médico, torna-se não raramente um ruído a ser eliminado. A doença ganha proeminência e o doente vai, aos poucos, desaparecendo. Entendemos que isso precisa mudar.

A atenção à saúde mental é tarefa de muitos profissionais e não apenas daqueles que trabalham nas chamadas áreas "psi". O médico, independentemente de sua especialidade, cumpre um papel da mais alta importância, sendo com frequência (sobretudo na atenção primária) o primeiro contato e um agente fundamental no cuidado das pessoas em sofrimento. Mas, claro, sua atuação precisa ser qualificada. Para tanto, defendemos que a formação em saúde mental e psiquiatria deve acompanhar longitudinalmente a formação do médico, desde os primeiros passos dos anos iniciais até a prática dos atendimentos clínicos supervisionados no internato.

Não é formando mais psiquiatras ou referenciando mais os pacientes aos profissionais "psi" que as imensas necessidades assistenciais da população em saúde mental serão atendidas. O desafio colocado para escolas médicas é superar a inércia e fazer com que seus currículos espelhem de forma mais consequente as demandas de saúde existentes na atualidade, reconhecendo a grande área que é a saúde mental.

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