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Sérgio Nobre

A nova proposta de reforma trabalhista é adequada? NÃO

Custo social para o país será bem mais profundo que os ganhos do capital

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Sérgio Nobre

Metalúrgico do ABC paulista e graduado em relações internacionais, é presidente nacional da CUT (Central Única dos Trabalhadores)

A luta sindical ensina que reformas são propostas e realizadas para fazer mudanças que atendam a interesses. Quando excluem trabalhadores e seus representantes legítimos da construção de um projeto, cuidado triplicado, porque vem chibatada no lombo da classe trabalhadora.

Em 2017 foi assim. O governo Michel Temer (MDB) e o Congresso Nacional autorizaram a terceirização sem limite (lei 13.429/17), com ampla e profunda mudança na legislação trabalhista e sindical (lei 13.467/17), flexibilizando e precarizando formas de contratação.

O presidente da CUT, Sergio Nobre, em abril 2019 no Vale do Anhangabaú durante os preparativos do 1º de maio
O presidente da Central Única dos Trabalhadores, Sérgio Nobre - Roberto Parizotti - 29.out.19

As leis reduziram jornada, com arrocho de salários, retiraram direitos, diminuíram o poder de negociação e de representação dos sindicatos e criaram regras para proteger as empresas, levando, por vezes, à legalização da precarização e da fraude trabalhista.

Resistimos e lutamos, buscamos a construção de outros caminhos para valorizar as negociações coletivas e a organização sindical dos trabalhadores, investindo no fortalecimento de um sistema autônomo de relações de trabalho, regulado pelos trabalhadores e empregadores.

Eis que agora, neste final de ano, fomos "brindados" com mais uma investida descarada contra a classe trabalhadora e a organização sindical na forma do relatório produzido pelo Gaet (Grupo de Altos Estudos do Trabalho), organismo criado pelo governo Jair Bolsonaro e coordenado, entre outros, pelo ministro do TST (Tribunal Superior do Trabalho) Ives Gandra Martins Filho, que atuou na elaboração da reforma trabalhista de 2017. Mais uma vez o movimento sindical, ou seja, o trabalhador, foi excluído, o que garantiu ao relatório atender apenas aos interesses patronais. Nas propostas, que ignoram o trabalhador, predomina a proteção exclusiva das práticas empresariais.

É gritante o objetivo do documento de "aperfeiçoar", fazer ajuste fino da reforma trabalhista de 2017 para preencher as brechas deixadas e garantir a flexibilização proposta à época, legalizando as formas precárias de vínculo entre trabalhador e empresa, as múltiplas práticas de desproteção dos trabalhadores, dando aos patrões segurança jurídica para contratar e demitir do jeito que quiserem. A proposta exclui, limita ou impede o sindicato de atuar e de representar a classe trabalhadora.

As reformas que precarizaram as relações de trabalho, no Brasil e no mundo, não geraram emprego nem trabalho de qualidade —​menos ainda desenvolvimento. Países como a Espanha retomam o diálogo social para a reversão de reformas excludentes realizadas pós-crise de 2008. A Comissão Europeia acaba de publicar uma diretiva para regular o trabalho em plataforma de aplicativos. O Brasil sob Jair Bolsonaro segue na contramão.

Não é aceitável, em uma democracia como a nossa, que um estudo voltado a subsidiar uma proposta de reforma trabalhista estipule que o trabalhador tenha de trabalhar sete domingos seguidos para folgar apenas um, que proíba o vínculo empregatício a trabalhadores por aplicativos.

A reforma proposta pelo governo, via Gaet, não é adequada porque desvaloriza o trabalho humano. O custo social será bem mais profundo do que os ganhos do capital. Trabalho sem direitos tem nome: é escravidão. Sem sindicatos fortes, que lutam por empregos de qualidade, um país não é verdadeiramente uma democracia.

Nosso caminho é este: trilhar com autonomia para defender os direitos da classe trabalhadora, valorizando as negociações, o sistema sindical, o trabalho decente e o salário justo para que o trabalhador tenha vida digna, inclusiva, saudável e sustentável.

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