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Luiz Roberto Liza Curi

Alvo atingido

Nosso esforço dedicado à extinção do futuro caminha no rumo certo

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Luiz Roberto Liza Curi

Sociólogo e doutor em economia

O retorno à vida é um dilema que nos faz pensar nas consequências da eternidade. A literatura nos beneficia com vários pesadelos sobre o tema. Leonid Andreiév fornece sua visão literária acerca do retorno de Lázaro, cuja alma desiste de acompanhar o corpo. Isaac Asimov aplica a ciência finita em tempos e espaços infinitos em "O Fim da Eternidade". E Jorge Luiz Borges relata uma comunidade de imortais que perde o sentido da vida ao se imobilizar como rocha. A eternidade paralisa o tempo e tenta eliminar o futuro. Giovanni Papini, em seu "O Espelho que Foge", já nos alertava que a perda de crença no futuro acabava por destruir o presente.

Nós, por aqui, também buscamos a imortalidade. Estamos há mais de 20 anos trabalhando duro para tentar prejudicar o futuro e, quem sabe, alcançar a vida eterna terrena. É o caso dos esforços nacionais com ciência, tecnologia e inovação. Nos últimos 15 ou talvez 20 anos, nos esforçamos para reduzir gastos, dispêndios e investimentos.

O sociólogo Luiz Roberto Liza Curi - Reinaldo Canato - 6.mai.19/Folhapress

De 2013 até 2020, esses investimentos recuaram 37% em termos reais. Voltamos ao nível de 2009. Pior: recentemente, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações perdeu R$ 600 milhões de seu orçamento para execução em 2021, que passou de R$ 690 milhões para R$ 89,9 milhões. Os recursos para ciência e tecnologia tiveram redução de 99%. Se verificarmos o Índice Global de Inovação, aplicado mundialmente, caímos, desde 2011, mais de 20 posições até 2017 e chegamos ao 57º lugar no ranking de países em 2021. Ao considerarmos que nos últimos 20 anos a pesquisa gerou inovações industriais que impactaram manufaturas complexas, elevando a Revolução Industrial à quinta geração em países desenvolvidos, nosso esforço dedicado à extinção do futuro caminha no rumo certo.

A busca da eternidade, no entanto, é mais complicada do que se imagina. Para além das restrições de gastos, não se deve descuidar da gestão. Vamos nos ater aos currículos de graduação e à organização da pesquisa. É mais do que sabido que a qualidade do aprendizado e do ensino é função de políticas institucionais que envolvam interdisciplinaridade, flexibilidade, atenção às fronteiras do conhecimento, referência a requisitos profissionais, internacionalização, avaliação e especial atenção a currículos organizados por competências e não por conteúdos.

O último Censo da Educação Superior do Inep indica uma desistência de 57% dos matriculados na educação superior e que 60% das 8,74 milhões de matrículas estão no noturno. A ausência de práticas pedagógicas ativas, a restrição da percepção do estudante das suas etapas de formação e a invisibilidade do impacto na sua atuação futura como profissional certamente influenciam sua permanência na educação superior e dificultam o direito ao aprendizado aos que não têm outra oportunidade de aprender se não no ambiente escolar.

As atividades de pesquisa, por sua vez, devem ser avaliadas de forma multidimensional pela sua qualidade intrínseca científica e tecnológica, mas também por seus impactos à ciência e à sociedade pelo padrão institucional que organize as agendas de expansão à sociedade e à economia, capaz de incentivar a inovação e incrementar as diversas políticas públicas.

Pois bem, a eternidade é conservadora e depende de currículos por conteúdos, organizados em grades horárias seriadas, com planejamentos e projetos de origem decenais, baseados em horas-aulas, restritos em práticas, que arrefeçam os estudantes. Esse tipo de gestão é uma ótima forma de enevoarmos o futuro. Por outro lado, limites institucionais de organização e agendamento e desenvolvimento da pesquisa acabam sendo também uma ponte com o passado.

Se a eternidade desvanece o porvir, melhor seria, aos que resistem na continuidade perene, a crença na reencarnação futura.

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