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Cisternas do centrão

Programa para o semiárido dá exemplo nefasto de politização da política pública

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Cisterna em Petrolina (PE) - Karime Xavier/Folhapress

O programa federal de cisternas levou mais de 929 mil reservatórios d’água para pequenas propriedades do semiárido —cerca de 58 mil por ano até o início do governo de Jair Bolsonaro. Em 2019, antes da epidemia, foram 26,5 mil. Neste 2021, só foram instalados em torno de 2.700 equipamentos.

São sinais de que falta prioridade para um investimento de baixo custo destinado a melhorar as condições de vida em regiões pobres do país. Ou, talvez, de dificuldades impostas pela Covid, embora as empresas da construção civil tenham levado adiante um grande volume de obras muito mais complexas, driblando o vírus.

Mais certo é que o programa foi desestruturado por uma mistura de desordem institucional e politização indevida da política pública.

Reportagem da Folha mostrou que o governo federal passou a ignorar organizações sociais e conselhos locais que, no sentido amplo, supervisionavam o projeto. No lugar de uma iniciativa bem-sucedida e de prestígio internacional, fica o toma lá dá cá da baixa política.

A instalação das cisternas passa agora a depender de arranjos eleitoreiros. Deputados e senadores indicam quais cidades e beneficiários receberão os reservatórios —e disso fazem até alarde.

A chegada dos equipamentos passa a se dever à "ação feita pelo trabalho da nossa força política em Brasília", como publicou em redes sociais o prefeito de Petrolina, Miguel Coelho (DEM-PE). O prefeito elogiava seu pai, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), líder do governo Bolsonaro no Senado.

Está explícito que os critérios de destinação de recursos deixam de ser a prioridade social, a eficiência, a impessoalidade e a transparência. Atropelam-se os padrões legais e técnicos que devem definir a implementação de uma ação de Estado. Assim funciona a destinação de recursos por meio de emendas de relator ao Orçamento federal.

Várias delas picotam a escassa verba federal sem destinação obrigatória em obras paroquiais, sem que se definam padrões de custo e benefício do uso dos recursos. O expediente acaba por se tornar uma espécie de fundo eleitoral paralelo, que beneficia parlamentares com trânsito na cúpula.

Como se não bastasse, o Congresso faz o que pode para não dar publicidade à autoria dessas emendas e para manter métodos de repasse de recursos que dificultam a fiscalização de seu emprego. Começam a aparecer os primeiros indícios escandalosos de corrupção por meio do uso desses artifícios.

É um programa de solapamento das instituições que regulam o uso do dinheiro público, resultado do casamento da incompetência de Bolsonaro com o fisiologismo de seus colegas do centrão.

editoriais@grupofolha.com.br

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