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Cordilheira a escalar

Polarizado, Chile elege esquerdista, mas caminho de Boric é mais que acidentado

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Gabriel Boric, eleito presidente do Chile - Martin Bernetti/AFP

Após uma campanha altamente polarizada, que deu mostras do que o brasileiro poderá ver em 2022, o Chile teve um segundo turno presidencial sem sobressaltos, com uma vitória relativamente confortável do esquerdista Gabriel Boric.

Com um placar de 55,9% a 44,1%, ele derrotou o direitista radical José Antonio Kast. Aos 35 anos, Boric só em fevereiro se tornou elegível ao cargo que ocupará a partir de março de 2022 —será o mais jovem presidente que o país já teve.

Torcedores à esquerda verão no triunfo um golpe fatal no apoio que o pinochetismo ainda reúne na sociedade chilena e, na sua encarnação brasileira, poderão vislumbrar uma renovação do campo que se diz progressista no continente e um caminho a seguir. A realidade, por certo, é mais complexa.

O eleito só chegou aonde chegou porque, entre a primeira e a segunda rodadas, buscou amainar algumas posições e angariou apoios na centro-esquerda que tradicionalmente alternava o poder com a centro-direita, na versão andina de concertação pós-ditadura, modelada na Espanha dos 1970.

Como no Brasil de 2018, o pleito foi marcado pela forte insatisfação com o establishment. A antipolítica está na origem de Boric, líder estudantil que também se destacou, já deputado, nas jornadas de 2019 que desaguaram na formação de uma Assembleia Constituinte.

Kast representa, nesse contexto, um Bolsonaro dos Andes. Assumia qualificações do proverbial "fascista" impingido pela esquerda a seus rivais. Até um pai egresso do Partido Nazista alemão tinha, mas o fato é que encabeçou uma vertente radicalizada de algo que subsiste no Chile, o pinochetismo.

O longo reino de Augusto Pinochet no poder, de 1973 a 1990, ainda trinca o país. Ecoando o que se faz no Planalto, o candidato até sacou a carta do anticomunismo.

Boric, até tentar se refazer como alguém capaz de negociar, ajudava, principalmente com suas companhias de aliança. Vencedor, terá de provar a capacidade sugerida, até porque não conta com maioria congressual e terá de lidar com a encalacrada Constituinte em curso.

Tal barafunda política ocorre em um dos países mais avançados, econômica e institucionalmente, de toda a América Latina. No cerne está o fato de que a pujança não derrubou uma profunda desigualdade, particularmente devido à crise do modelo de capitalização previdenciária em meio à mudança do perfil demográfico.

Outros governos já tocaram no tema, mas a explosão social de 2019 obrigará Boric a empenhar seu capital político em alguma solução de curto prazo, o que remete novamente à necessidade de apoio parlamentar. Será um caminho acidentado, para dizer o mínimo.

editoriais@grupofolha.com.br

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