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Dinheiro esfarelado

Apesar de reação a emenda, perda de qualidade no Orçamento é de difícil reversão

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Ruas sem asfalto e com buracos na periferia de Petrolina (PE) - Karime Xavier/Folhapress

Houve algum avanço nas últimas semanas, ainda que longe do necessário, na regulação das despesas incluídas pelo Congresso no Orçamento federal —as famigeradas emendas parlamentares, utilizadas como moeda nas negociações entre o Palácio do Planalto e sua base de sustentação partidária.

Abusos escandalosos despertaram a atenção da opinião pública e levaram a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, a suspender no início de novembro a liberação de dinheiro para as chamadas emendas de relator.

Trata-se de mecanismo introduzido em 2020 para permitir ao Legislativo direcionar somas elevadas (são R$ 16,9 bilhões neste ano) a projetos de interesse de deputados e senadores, sem que sejam identificados os beneficiários.

A medida de Weber, referendada pelo plenário do STF, forçou o Congresso a se mexer. Prometeu-se a revelação de entidades e municípios destinatários das verbas e, doravante, também dos parlamentares que as solicitarem —com desculpas esfarrapadas, porém, alegou-se ser difícil apontar os que já o fizeram nos últimos dois anos.

Foi o bastante, de todo modo, para que a magistrada permitisse a volta da execução das emendas, possivelmente para não prolongar uma crise entre Poderes.

Na semana que passou, também o Executivo viu-se compelido a tratar do tema. Jair Bolsonaro editou na quinta-feira (9) um decreto fixando normas para a divulgação de dados referentes a solicitação e a liberação dos recursos.

Permanecem as dúvidas, entretanto, quanto à real disposição de governo e Congresso de dar publicidade aos nomes envolvidos —e é difícil imaginar motivações virtuosas para tamanha resistência.

Pior, constata-se uma perda de qualidade na elaboração do Orçamento de difícil reversão. Se numa democracia é fundamental que os representantes da sociedade no Legislativo tenham a palavra final sobre a alocação dos recursos públicos, a prevalência de interesses paroquiais e clientelistas no modelo brasileiro apequena essa missão.

O preço do apoio do centrão a Bolsonaro foi a ampliação da fatia orçamentária reservada a demandas individuais de deputados e senadores, que procuram favorecer aliados e redutos eleitorais sem maior preocupação com prioridades e critérios de eficiência.

O asfalto que se esfarela em Petrolina (PE), descrito em reportagem da Folha, dá ideia de como dinheiro público escasso pode ser desperdiçado em projetos aprovados sem escrutínio que não seja a adesão do autor ao governo.

Enquanto isso, o montante que se pretende reservar para emendas de relator no ano eleitoral de 2022 poderia atender a 3,7 milhões de famílias muito pobres na fila do recém-criado Auxílio Brasil.

editoriais@grupofolha.com.br

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