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Maria Cecilia Alcantara e Silva

Folha me ensinou a ser democrata

Que o jornal ajude a iluminar estes tempos sombrios

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Maria Cecilia Alcantara e Silva

Dona de casa, 69, é assinante da Folha há 44 anos

Minha história com a Folha é tão antiga quanto a Folha da Manhã. Acho que começa na infância, com a Folhinha. Só posso dizer que devo ao jornal a minha formação, sempre incentivada por minha mãe, leitora voraz dos dois mais importantes periódicos da cidade de São Paulo.

Sou tão íntima da Folha que me sinto sobrinha do seu Frias [Octavio Frias de Oliveira, publisher do jornal de 1962 até sua morte, em 2007]. A morte do Otavio [Frias Filho, diretor de Redação entre 1984 e 2018] foi uma perda tristíssima na minha vida. A reforma que ele fez no jornal me moldou; foi quem me ensinou a ser democrata. Quando minha filha, Luisa Alcantara e Silva, foi contratada pelo jornal, me senti a pessoa mais importante do mundo. Falava até com certo esnobismo: "Minha filha é jornalista da Folha!".

O convite para escrever nesta seção me honra tanto que mal posso acreditar. Meu nome perto do de Hélio Schwartsman… Aliás, confesso ter torcido o nariz quando ele substituiu o Fernando de Barros e Silva, mas logo me apaixonei por ele também. Outro que amo e faz valer a assinatura sozinho é o Ruy Castro. Mas tem também a Mariliz Pereira Jorge, o Marcelo Coelho —que tantas vezes escreve aquilo que penso, mas não tenho coragem de falar— e o Antonio Prata… Ah, o Antonio Prata! E não posso deixar de lembrar, com saudade, do Clóvis Rossi, um exemplo de isenção —era casado com uma militante tucana e nunca se furtou a criticar o que achava errado nos governos de Fernando Henrique Cardoso e Mario Covas.

E Tavares de Miranda? Que delícia era saber as fofocas do "grand monde" por ele. Por mais que a Mônica Bergamo seja grande jornalista, sinto saudade dele.

Tenho muitas lembranças ligadas às manchetes da Folha. Lembro nitidamente da foto da morte de Salvador Allende e de Jânio Quadros desinfetando a cadeira em que FHC, também para a Folha, posou sentado.

Talvez as mais marcantes lembranças sejam as da campanha pelas Diretas Já, quando o jornal foi parceiro fundamental desde o primeiro comício no Pacaembu. Naquele tempo de esperança, a Folha foi nosso manual. Agora, com seu acervo digitalizado, procuro, ainda sem sucesso, uma foto onde apareço em um auditório lotado no ato de desagravo dos estudantes contra a invasão da PUC pelo coronel Erasmo Dias.

Muito antes do Manual da Redação, o jornal já era um farol da correção e dignidade de um bom jornalismo. Adoro sua pluralidade. Aos que chamam a Folha de comunista, cito os articulistas da direita —embora não adiante, porque eles não sabem quem são…

Outra coisa que preciso citar é o obituário [Mortes]. O texto é tão bem escrito que não perco um. Bem que a Folha poderia já escrever o meu para que pudesse ler o que pensam de mim.

Às vezes também me irrito com o jornal, especialmente com erros de digitação e neologismos. Sou meio analfabeta, mas um errinho que seja logo pula à minha frente.

Gosto muito da seção Erramos. E um jornal que tem ombudsman? Deve ser muito difícil criticar seus colegas e se autocriticar. Tinha que ser o jornal do seu Frias.

Para não ficar só nas reminiscências de uma antiga leitora, preciso falar da era digital, que me pegou de "calças curtas". Analógica pela idade e com as limitações que ela trouxe, me rendi. Hoje, leio meus articulistas no iPad ou no site.

Ainda sobre os articulistas, que privilégio aprender tanto com Drauzio Varella. Já Mirian Goldenberg não gosto tanto porque ela escreve tão bem que me faz voltar à Terra quando ainda quero pensar que sou uma mocinha —coisa que não dá mais para esconder; afinal, a seção Acervo Folha - Há 50 Anos é tão nítida na minha memória que acho melhor aprender com a colunista.

Os editoriais, alguns fortíssimos, tenho certeza de que serão objeto de estudo nas escolas do futuro. Futuro que ainda terá a jovem e centenária Folha com posições tão corajosas como tem demonstrado nesta escuridão em que vivemos. Como um farol, ajudará a iluminar um novo tempo que precisa acontecer.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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