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Inês Virginia P. Soares

Liberdade de expressão artística solta a voz na OEA

Organização quer saber se o Estado brasileiro está agindo para cerceá-la

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Inês Virginia P. Soares

Doutora em direito, é desembargadora no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3)

Nesta terça-feira (14), a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão da estrutura da Organização dos Estados Americanos (OEA), realiza uma audiência pública para ouvir as denúncias sobre violação aos direitos de liberdade de expressão artística praticada pelo Estado brasileiro. O debate tratará de inúmeros casos recentes, muitos com grande repercussão na mídia local —alguns, inclusive, judicializados e com decisões que consideraram que houve, pelo governo federal, ato de censura ou outra prática ilegal/inconstitucional assemelhada, como por exemplo no processo judicial sobre o Festival de Jazz do Capão, indeferido pela Funarte por se declarar "antifacista". Neste caso, houve ainda o acionamento do Judiciário, que respondeu com decisão favorável, determinando que a Funarte fizesse outro parecer.

A atenção da Comissão Interamericana, com a seleção da denúncia feita pelo Mobile (Movimento Brasileiro Integrado pela Liberdade de Expressão Artística) no sentido de que há um desmonte, pelo governo federal, da política cultural e diversas formas de perseguição a artistas e às artes, é um primeiro passo para a abertura de um processo que pode culminar com a responsabilização internacional do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, caso se verifique que nosso país não tem seguido os parâmetros interamericanos sobre a matéria.

Postagem do Festival de Jazz do Capão no Facebook de 1º de junho
Postagem do Festival de Jazz do Capão no Facebook de 1º de junho - Reprodução/Facebook

A importância da audiência pública, única brasileira a fazer parte desta seção anual da OEA, além da finalidade imediata de ouvir as denúncias e as autoridades responsáveis pelas políticas culturais e do valor retórico da OEA reafirmar os direitos culturais como direitos humanos, está também na possibilidade do Brasil ajustar, se for o caso, a sua conduta às normas internacionais que se comprometeu a cumprir e evitar que o embate chegue à Corte Interamericana —e, pior, que tenhamos mais uma condenação.

No âmbito da OEA, a "solução amistosa" pode se dar em qualquer momento. Um acordo entre as partes é sempre desejado, principalmente porque estanca a violação aos direitos humanos e redireciona, de imediato, as ações dos órgãos governamentais. Além disso, a comissão poderá emitir medidas cautelares, um mecanismo utilizado diante de situações graves e urgentes, de risco iminente, que possam causar danos irreparáveis a pessoas ou grupos de pessoas.

O nosso país tem uma dezena de condenações pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Dos 10 casos, 9 foram por persecução penal ineficaz ou ineficiente, por falha do Brasil no dever de assegurar a devida diligência em processos criminais ou cíveis, no sentido de que a investigação deve ser realizada por todos os meios legais disponíveis, buscando determinar a verdade e a responsabilização. A única condenação com fundamento diverso foi no caso da comunidade indígena Xucuru; mesmo assim, a corte reconheceu que o direito à garantia judicial de prazo razoável foi violado.

Na situação que deu ensejo à audiência pública que acontecerá nesta semana, o Poder Executivo, em suas diferentes esferas, é apontado como o protagonista da maioria das violações, diferentemente de outras denúncias que ensejaram a continuidade do processo, com envio do caso para julgamento pela Corte Interamericana, em que a falha do Estado estava na atuação do Poder Judiciário, pela demora ou não punição dos agentes violadores; ou mesmo no Legislativo, em não editar normas que permitissem a adequada ou célere responsabilização, como, por exemplo, nos casos sobre a ditadura e a existência das leis de anistia.

O deslocamento de perspectiva faz todo sentido, porque o conteúdo jurídico da liberdade de expressão artística não se esgota nos direitos intelectuais do artista por sua produção ou em seu direito de se expressar livremente. Esse é apenas o feixe mais lembrado. Há outros dois feixes igualmente importantes: a liberdade de integrar e contribuir com o processo de expressão artística (gestão, produção, pesquisa, divulgação das artes etc.); e a liberdade de ter acesso às expressões artísticas (como espectadores). Além disso, o direito a uma estrutura estatal que resguarde a liberdade de expressão artística (com repúdio à censura, garantia dos direitos de autor e da liberdade criativa e oferta de meios e equipamentos para fruição das artes em comunidade) está prevista na Constituição e vinculado aos valores democráticos e à garantia de outras liberdades, dentre as quais destaca-se a liberdade de comunicação, que confere teor ao direito à informação livre e plural.

A denúncia, na arena da OEA, em torno da possibilidade de que o Estado brasileiro esteja agindo para cercear a liberdade de expressão artística, causa preocupação, pois o cerceamento desses direitos resvala no exercício de diversos direitos fundamentais, com efeitos deletérios por um maior lapso temporal e atinge a todos.

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