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Felipe de Azevedo Ramos

Natal do Menino, natais dos meninos

Mais que presentes ou festas, ele quer a sua alma; basta se fazer pequenino

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Felipe de Azevedo Ramos

Padre, teólogo, professor e doutor em filosofia pela Pontifícia Universidade São Tomás de Aquino (Itália) e medievista com o Diploma Europeu de Estudos Medievais

Há pouco mais de dois milênios, o mundo antigo imergia no ocaso. Roma incensava cada vez mais seus imperadores; Atenas havia muito não presenciava a sabedoria de Platão; e Jerusalém, entregue em mãos romanas, tinha saudades das glórias do rei Davi.

No entanto, na plenitude dos tempos, "o povo que andava nas trevas viu uma grande luz" (Is 9,1; Mt 4,16). Tal grandeza, porém, não emanava dos cetros tirânicos dos césares, da soberba dos sofistas ou da presunção farisaica. Muito pelo contrário: escondia-se na pequenez de um menino o "verbo de Deus que se fez carne e habitou entre nós" (Jo 1,14). Rebaixando-se até a humanidade, a Divindade a elevou a si.

O homem, por sua parte, para ascender a Deus, deve se humilhar, como ensinou o próprio Jesus: "Deixai vir a mim os pequeninos", se "não vos tornardes como as crianças, de modo algum entrareis no Reino dos Céus" (Mt 18,3;19,14).

De fato, naquela noite fria de inverno, confiantes como crianças, os pastores de Belém marcharam jubilosos ao encontro do recém-nascido. Também os magos do Oriente, movidos por uma espécie de docilidade infantil, buscaram incessantemente a estrela até o encontro com o divino infante.
Os déspotas, porém, não toleram as crianças. São "velhos" de alma. Assim, Herodes, ao saber que o rei dos judeus tinha nascido, encomendou logo o massacre geral dos inocentes, isto é, de todos os meninos até dois anos (Mt 2,2.16).

Ao longo da história, as forças do mal tentaram, sem sucesso, acabar com a inocência. De fato, isso é impossível, pois, como comentou François-René de Chateaubriand, tudo o que toca na primeira idade fica imbuído de bálsamo indelével. Sempre permanecem, como cantou Casimiro de Abreu, aquelas saudades da aurora da vida, da infância querida que os anos não trazem mais!

Mesmo Napoleão, após conquistar meia Europa, teve de confessar certa vez: "O dia mais feliz de minha vida foi o de minha primeira comunhão!". No fundo, percebia ele que honras, poder e glória são estéreis quando cotejados com as nostalgias primaveris.

Ainda no século 19, no Natal de 1886, três destinos se entrelaçaram sob o signo da mais insigne das infâncias, isto é, a espiritual: o literato Paul Claudel, o beato Charles de Foucauld e Santa Teresa do Menino Jesus, uma freira carmelita.

Claudel, ao participar das vésperas de Natal na Notre-Dame de Paris, foi logo arrebatado pelo esplendor litúrgico, ornado por cânticos natalinos. Mais tarde, testemunhou: "Num instante, meu coração foi tocado, e acreditei. [...] Tive de repente o sentimento dilacerante da inocência, da eterna infância de Deus". Entrou agnóstico na catedral e saiu católico.

Foucauld, que buscava a Deus de coração sincero, teve o seu "primeiro Natal cristão" naquela data, considerada por ele como o dia de seu "nascimento".

Santa Teresa do Menino Jesus (1873-1897) - carmelitas.org

Na catedral de Lisieux, Teresa recebeu uma graça inefável, que a purificou do egoísmo puelar. Sobre isso, revelou: o Menino Jesus "transformou a noite de minha alma em torrentes de luz". Mais tarde, esboçou a espiritualidade da "pequena via", que propunha o abandono confiante no regaço de Jesus.

Este Natal também o convida, caro leitor, a rememorar a sua primeva inocência, evocar as graças natalinas de outrora; o impele, enfim, a buscar a Deus de coração puro. Como nos exemplos acima, mais do que presentes, cânticos, festas ou ceias, o Menino quer sobretudo uma coisa: a sua alma. Para entregá-la é muito fácil: basta se fazer pequenino…

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