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Fernando Túlio

O possível acordo entre prefeitura e governo federal no Campo de Marte é bom negócio para São Paulo? NÃO

Área poderia virar parque, em vez de atender a 0,1% da elite que usa jatinhos

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Fernando Túlio

Presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil - São Paulo (IAB-SP), é mestre em gestão e políticas públicas (FGV) e doutorando em planejamento urbano e regional (FAU-USP)

​A cidade de São Paulo poderia receber do governo federal indenização estimada em R$ 49 bilhões após o Supremo Tribunal Federal reconhecer a propriedade do município sobre o Campo de Marte. Descontada a dívida que a prefeitura tem com a União, de R$ 25 bilhões, sobrariam R$ 24 bilhões para a cidade. Mas, em vez de cobrar esse direito, o prefeito Ricardo Nunes (MDB), em troca da dívida, pretende conceder ao governo, por 30 anos, quase toda essa área, maior que a do parque Ibirapuera. Faz sentido?

Com o acordo que Nunes busca fazer com a União, ao não ter mais que pagar parcelas e juros da dívida (a ser quitada em 2028), o prefeito ganha R$ 3 bilhões por ano para usar como quiser até o final de seu mandato, em 2024, turbinando suas chances de reeleição.

Vista aérea do aeroporto Campo de Marte, no bairro de Santana, zona norte de São Paulo - Caio Guatelli 26.nov.10/Folhapress

Mas o que nós, paulistanos, perdemos ao abrir mão desses R$ 24 bilhões e do Campo de Marte?

Com base em dados do estudo Reage SP (Fundação Tide Setubal e Rede Nossa São Paulo), perdemos, por exemplo, a oportunidade de melhorar radicalmente a vida dos moradores de cinco subprefeituras de alta vulnerabilidade socioambiental da zona leste. Com R$ 24 bilhões, daria para fazer corredores de ônibus, urbanização de favelas, habitação e equipamentos sociais, beneficiando cerca de 1,6 milhão de pessoas —30% da população vulnerável da cidade.

Perdemos também a chance de desativar o aeroporto do Campo de Marte, já que pousos e decolagens de jatos privados poderiam ser transferidos, por exemplo, para os aeroportos de São Roque e Jundiaí, distantes meros 15 minutos de helicóptero. Projeto que foi encampado tanto por João Doria (PSDB) como por Fernando Haddad (PT) quando prefeitos, pois a desativação abriria espaço para um parque urbano, ocupando a totalidade do terreno e capaz de atender cerca de 4 milhões de usuários por ano —em vez de servir à comodidade do 0,1% dos paulistanos mais ricos que usam jatos.

A construção de um parque em um quarto daquela área custaria R$ 35 milhões, estimou a prefeitura. Chamado a investir em 2018, o setor privado não se interessou. Dinheiro de pinga, como se diz, frente aos valores em questão.

Além disso, a desativação do aeroporto daria força à implantação de uma nova centralidade na zona norte, pois cessariam as restrições de segurança ao adensamento da área. Essa nova centralidade, prevista no projeto Arco Tietê (estabelecido pelo Plano Diretor), se sustentaria pelo chamado Apoio Norte: uma grande "via bulevar", com corredor de ônibus, que, além dos benefícios locais, reduziria o trânsito na marginal Tietê. Se isso já parece bom, então considere que, com essas intervenções, espera-se também atrair 110 mil habitantes, gerar 10 mil empregos e criar 500 mil m2 de áreas verdes —fora os 25% de arrecadação destinados à habitação social.

Enquanto não tivermos um pacto pelo futuro da cidade, estaremos vulneráveis a acordos ruins. Não temos, no entanto, avançado nos planos de médio e longo prazo. Pelo contrário. Desde que se deixou de priorizar a implementação do Plano Diretor em nome de uma tentativa atabalhoada de revisão parcial, a cidade ficou mais suscetível aos interesses imediatos de grupos específicos.

Com o negócio proposto por Nunes e endossado em primeira votação pela Câmara, nós, paulistanos, ficamos sem parque, sem melhorias nas periferias, sem nova centralidade, sem conservação das áreas ambientalmente sensíveis e sem o efeito multiplicador resultante, que poderia instalar um novo patamar de prosperidade para São Paulo.

Bom negócio para quem?

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