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Marina Magro Beringhs Martinez e Rachel Mendes Freire de Oliveira

O que há de promissor no acordo do Campo de Marte?

Acerto traria segurança jurídica, e parte significativa da área seria devolvida aos paulistanos

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Marina Magro Beringhs Martinez

Procuradora-geral do Município de São Paulo

Rachel Mendes Freire de Oliveira

Procuradora-geral adjunta do Município de São Paulo

A história do Campo de Marte, na cidade de São Paulo, é um retrato do conflito entre instituições públicas. Primeiro, o embate armado. O terreno municipal cedido ao estado de São Paulo abrigava a força aérea paulista quando, durante a Revolução de 1932, foi bombardeado e tomado pelas forças do governo federal. Foi assim que a cidade ajuizou, em 1958, ação requerendo reintegração de posse e indenização pelo uso dessa área.

O processo tramita, portanto, há 63 anos, pertinente à disputa ainda mais antiga sobre a titularidade da área, que já alcança 89 anos.

Aviões estacionados no aeroporto do Campo de Marte, na zona norte de São Paulo - Joel Silva - 28.nov.10/Folhapress

Apesar do começo violento da disputa pelo Campo de Marte, o que mais chama a atenção é o segundo conflito, judicial. Qualquer processo judicial com mais de seis décadas falhou em sua expressão mais básica: a de moderar e extinguir a disputa entre partes.

Em verdade, ainda se está longe do completo desfecho. O Superior Tribunal de Justiça decidiu, em 2009, que o Campo de Marte pertence ao município, mas que apenas a parte do imóvel que não estivesse aplicada ao uso público federal deveria ser devolvida, mediante indenização pela perda da propriedade, além de pagamento pelo uso pretérito. Decisão monocrática do ex-ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, não reconheceu o recurso da União, aguarda julgamento de agravo interno.

Mais que isso, a delimitação do efetivo valor da indenização foi devolvida para a 1ª instância, o que pode levar outras tantas décadas. A esta altura, já deve ser bastante óbvio porque um acordo é de grande interesse para o município e para a União.

A prosseguir a marcha processual, o município será credor da União de crédito multibilionário, mas indefinido. Neste meio-tempo, enquanto permanecer a discussão judicial quanto ao valor devido, não terá acesso a nenhum centavo e não poderá utilizá-lo em suas funções primordiais, como educação, saúde e assistência social —necessidades que afligem a população, sobretudo diante da crise atual.

De outro lado, a União é devedora de crédito multibilionário, que crescerá exponencialmente durante a contenda processual sobre o exato valor. Para completar o cenário perfeito para um acordo, o município é devedor da União, também de crédito multibilionário, mas de valor definido, R$ 25 bilhões. Quanto a este, o município paga à União, anualmente, R$ 3 bilhões, em sua maioria de juros, equivalente ao orçamento integral de muitas capitais.

E é aqui, neste intervalo de tempo, que é possível fazer um acordo mutuamente favorável ao município e à União, em que os entes públicos quitem integralmente suas dívidas. Do lado do município, o essencial é investir esse dinheiro na própria cidade e não pagar juros ao governo federal. E a União pode quitar dívida de vulto, sem gastar nada.

É excelente acordo, que ainda traria segurança jurídica à situação dominial do Campo de Marte, com parte significativa de sua área devolvida aos moradores da cidade.

Invertendo expectativas de que o poder público e a advocacia pública sempre se valem de manobras para perpetuar processos e dívidas multibilionárias, que só crescem com a aplicação de juros, enquanto são discutidas em recursos que se multiplicam, o que se pretende é atuação eficaz para encerrar disputa quase centenária.

É sinal claro de que a advocacia pública, em vez de protelar, deve buscar solução mutuamente favorável de conflitos, de preferência extrajudicialmente. Mediação, acordos e formas alternativas de composição são os melhores caminhos para ajudar o Poder Judiciário a cumprir sua função e a resolver as controvérsias da administração pública, em tempo razoável e com efetiva aplicação da Justiça.

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