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Helânia Silva

Um abraço no dia a dia de um educador

Neste trem desgovernado, escola pulsa por aprendizagem e afeto

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Helânia Silva

Professora doutora da rede estadual de ensino do Rio Grande do Norte

Após o retorno às aulas presenciais, uma das frases mais comuns no meu dia a dia é: "Professora, posso te dar um abraço?". Por medidas de biossegurança, não podemos conceder tal afeto, tão comum na cultura desse Brasil tropical, acostumado a calorosas relações sociais.

Pois bem, são muitas as situações de necessidade de afeto e de um "como vai?" mais atento —além da relação professor-aluno, cara a cara, já que no momento os conhecemos parcialmente, observados por olhares desmotivados em meio às máscaras.

Um pouco melancólico, mas é o retrato de um retorno às salas fora dos trilhos. Sobretudo por ainda estarmos enfrentando um contexto novo no modo de ensinar e trazer à vida os alunos, ainda em estado de letargia das aulas remotas. Desde o começo da pandemia de Covid-19, em março de 2020, tivemos que nos adaptar às tecnologias da informação e às ferramentas para o ensino remoto —certamente, nos ajustarmos a um mundo onde o professor precisa sair de sua zona de conforto e entender o que quer essa geração Z, ou dos "tiktokers" e "instagramáveis".

Partir nesse trem fora de rota é um grande desafio, pois não são apenas os alunos que estão desmotivados, perdidos no vagão de uma geração que não sabe bem para onde ir. Alguém poderia perguntar: "Eles não sentem que estudar transforma realidades e os direciona ao melhor caminho, ainda que demorado?". Sim, mas, como diria o grande educador Paulo Freire, "se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda".

Infelizmente, são muitos os jovens influenciados por uma geração apegada ao luxo e por postagens desconectadas às suas realidades. Não vejo muitos jovens corajosos. Como diria o filósofo e escritor Mario Sergio Cortella: "Coragem é preparo e não mera disposição eufórica".

São situações de alunos com crise de ansiedade, carentes de afeto. Jovens sem perspectiva de um Enem, além de famílias desempregadas.

Numa sociedade líquida, são, também, muito ansiosos. Como observa o sociólogo Zygmunt Bauman, a sociedade de hoje, diferentemente daquela do século 20, não consegue traduzir seus desejos num projeto de trabalho de longa duração.

Assim, fazê-los ter concentração numa aula, seja dinâmica ou tradicional, é algo difícil nos novos tempos e parece enfadonho —seja na aula daquele professor brincalhão, do politizado, do bonitão ou mesmo do "meigo zen", como dizem. Os alunos estão sempre em busca daquela espiadinha no celular, daquela foto não curtida ou da dancinha nova que viralizou.

São inquietações, sem dúvida. Logo, precisamos de mais discussões acerca do futuro educacional dos jovens. A tecnologia pode até estar em nossas mãos, mas nem por isso alcançamos o objetivo desejado.

A verdade nua e crua é que nestes dois últimos anos foi impossível avaliar e consolidar o aprendizado de alunos num quadro de tanta defasagem e angústias. O professor é empurrado a seguir o fluxo. Assim, continuamos num sistema que já não andava bem das pernas. E, com o agravamento da crise socioeconômica no país, piorou de vez.

Estamos todos nesse vagão. E mesmo com os esforços para não sermos os "tiozões que não ligam o play". Seria somente essa a mudança esperada? Será que o acúmulo de tantas informações diárias, com crianças que já nascem de olho em jogos eletrônicos como "Free Fire", também não os condiciona a um mundo fugaz? Será que ainda teremos chances de potencializar nossos sistemas operacionais e, acima de tudo, fazê-los enxergar que o futuro de um país decorre de uma educação de qualidade?

O caminho sem dúvida é árduo e perpassa uma mudança socioeconômica e política na busca de trazermos ânimo às escolas e esperança a essa juventude. Sempre devemos lembrar que eles serão o futuro e a força produtiva dos novos ciclos de bem-estar. E que, concentrados ou não, estaremos aqui para orientá-los e darmos futuros abraços num mundo pós-pandêmico. Onde o trem não pode parar.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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