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Maria Paula

200 anos de Independência?

Em conversa com indígena, colonização segue seu curso

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Maria Paula

Atriz, psicanalista com mestrado em desenvolvimento humano e saúde (UnB) e embaixadora da paz

Ano de 2022: data simbólica para o nosso povo, que em 7 de setembro irá completar 200 anos de Independência. Momento de fazermos uma reflexão sobre nós mesmos, sobre nossa condição atual e quem sabe até de refletirmos sobre o que de fato aconteceu aqui desde que foi anunciado ao mundo que deixaríamos de ser uma colônia portuguesa.

Espanta-me perceber que o conteúdo que me foi ensinado na escola é o mesmo que continua sendo reproduzido na sala de aula dos meus filhos. Até quando iremos permitir que nossa história seja contada de fora para dentro? Fomos descobertos ou invadidos, afinal? Mas, principalmente, quando iremos nos apropriar de nós mesmos e encarar nossa diversidade étnica como vantagem estratégica em vez de continuarmos exibindo o tal complexo de vira-lata? Nossa fórmula primordial contém a genética dos povos indígenas, portugueses, africanos, japoneses, italianos, alemães, judeus, árabes, gente de todos os cantos.

Sentir orgulho de quem somos é a base da atitude independente que merece prevalecer, uma vez que nossa realidade representa um movimento no contrafluxo das grandes vergonhas históricas. As guerras repetem a ideia equivocada de que em nome da soberania há que se excluir e, se possível, exterminar o diferente.

No entanto, por aqui, o destino permitiu que a mudança de paradigma acontecesse. Não há como separar de dentro do coração de um brasileiro os diversos sangues que em suas veias fluem.

Para comemorar os 200 anos da Independência, minha sugestão é oferecer nos postos de saúde, junto com as vacinas, testes de DNA para rastrearmos as etnias que compõem nosso ser. Quem sabe assim cada brasileiro possa se ocupar de entender suas raízes e traumas que vieram junto com o sangue de seus ancestrais. E, melhor que isso, para além dos traumas, acessar a força, a sabedoria que se manifesta neste emaranhado de raízes.

A convite da ONG Smile Train, que opera crianças com fissura labiopalatina ao redor do mundo, conduzi uma roda de conversa com pais de crianças que haviam feito a cirurgia recentemente em Manaus. Eram famílias indígenas, e levei um susto com a resposta de um pai que, ao ser questionado sobre o motivo de seu filho ter nascido assim, respondeu que devia ser castigo de Deus. Estarrecida, perguntei de novo ao intérprete que fazia a tradução da língua ticuna para o português se eu havia entendido direito, e este confirmou.

Naquele momento vi a colonização seguindo seu curso e senti vontade de estimular uma comemoração pelos 200 anos da Independência que se empenhe em valorizar as figuras históricas que se recusaram a deixar um legado predatório e destruidor.

Que meus filhos aprendam sobre gente como o marechal Rondon, que liderou o desbravamento do nosso Brasil profundo de forma pacífica, recusando-se a combater e dizimar os povos indígenas que cruzaram seu caminho. Sempre levantando uma bandeira: "Morrer se for preciso, matar jamais!". Ele sabia de onde vinham suas origens.

E você? Gostaria de saber das suas?

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