Descrição de chapéu
Luiz Carlos dos Santos Gonçalves e Vera Lúcia Taberti

A responsabilidade dos partidos nas fraudes à cota de gênero

Diante de tanto dinheiro público, cobrar apego à lei não é nenhuma demasia

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Luiz Carlos dos Santos Gonçalves

Procurador Regional da República, é auxiliar da Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo

Vera Lúcia Taberti

Promotora de Justiça, é assessora Eleitoral do procurador-geral de Justiça de São Paulo

Este texto se contrapõe ao artigo "Dizimando a justiça" (15/1), de Hélio Schwartsman, publicado nesta Folha. O colunista critica a orientação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de cassar toda a chapa proporcional de candidatos quando houver prova da fraude das candidaturas femininas fictícias.

Clamando por um "senso de proporcionalidade nas punições", Schwartsman, em comparação infeliz, fala dos generais romanos dizimando tropas covardes e de nazistas executando dez civis para cada soldado alemão morto pela resistência.

Os fatos são mais prosaicos. Os partidos políticos brasileiros mostravam desapreço por chapas plurais nas disputas para vereador ou deputado. Lançavam chapas exclusivamente masculinas ou com algumas poucas mulheres. Isso fez de nosso país um dos mais desiguais do mundo em relação à participação feminina. De acordo com relatório do Fórum Econômico Mundial (Global Gender Gap Report - 2021), o Brasil ocupa o 108º lugar em relação à igualdade de gênero na política.

A lei passou, então, a prever uma cota feminina, de modestos 30%, nas chapas proporcionais. Infelizmente, partidos usaram ardis para burlar essa regra. Inscreviam candidatas que nem sabiam que o eram, ou que não faziam campanha, ou que faziam campanha para terceiros e nada arrecadavam. Ao julgar o "caso José de Freitas", em 2016, o TSE equiparou tal prática à fraude, permitindo que fossem propostas as ações eleitorais correspondentes.

Os partidos políticos exercem um papel-chave nas candidaturas, em especial nas proporcionais. Elas não são independentes. Cabe às siglas demonstrar a regularidade, inclusive documental, das convenções que realizaram e da escolha de candidatos, sob pena de toda a lista ser considerada inválida. É o Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários (Drap). A decisão do TSE de 2016 apenas considerou que, quando há fraude no cumprimento da cota de gênero, o Drap é irregular, com as mesmas consequências que adviriam de outras irregularidades na convenção partidária: a perda do registro dos candidatos.

A questão trazida pelo colunista foi debatida no TSE, em 2020, no "caso Valença do Piauí": se a perda de mandato abrangeria apenas os que tivessem colaborado para o engodo ou se, como já ocorre nos demais vícios do Drap, alcançaria todos os eleitos. Era um caso difícil, pois, a despeito da fraude, mulheres haviam sido eleitas para a Câmara Municipal local. A decisão do tribunal reafirmou sua jurisprudência, indicando a obrigação dos partidos de atender a todos os requisitos legais e constitucionais da chapa de candidatos que optam por lançar.

Com tanto dinheiro público dado às legendas, exigir responsabilidade, cuidados e apego à lei não é uma demasia. Candidaturas dependem de atos e decisões partidárias, o que não parece ser uma novidade.

Vê-se, portanto, que não se trata de uma "responsabilização coletiva" nem se "viola o contrato básico da democracia" —expressões altissonantes, mas desapegadas da realidade fática e jurídica da situação. Trata-se da consequência de um mau passo de alguns partidos que não acreditam na igualdade essencial entre os gêneros.

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