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Wilson Gomes

Automarketing identitário e a morte da crítica

Tática defensiva consiste em se confundir com a minoria representada

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Wilson Gomes

Professor titular da Faculdade de Comunicação da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital, é autor de "Transformações da Política na Era da Comunicação de Massa" (Paulus)

A política de identidade é um tipo de tática de ativismo social por meio do qual se visa combater a discriminação, alterar a correlação de forças e incluir no processo político certos grupos minoritários.

Um tipo. Há muitos outros. A esquerda marxista, por exemplo, está na política porque existe a luta de classes, a exploração estrutural do homem pelo homem —e o lado mais fraco precisa ser representado ou estará perdido. A política identitária trocou a luta de classes por outro conflito estrutural, entre uma elite qualquer de opressores e uma identidade de oprimidos baseada em algum status social distintivo, como gênero, etnia ou tipo de civilização. O identitário está na política porque há uma iniquidade estrutural em que a identidade X é o lado mais fraco que precisa ser representado —ou a injustiça será perpétua.

O professor Wilson Gomes, da Faculdade de Comunicação da UFBA (Universidade Federal da Bahia) - Raul Spinassé - 28.mai.19/Folhapress

As identidades podem ser muitas, por isso a política de identidade é tão amplamente aplicada que pode abranger tanto movimentos de mulheres, negros e LGBTQIA+ quanto separatistas, nacionalistas e os novos racistas e xenófobos da extrema direita. Usam táticas e retóricas identitárias o Black Lives Matter e os antirracistas brasileiros, mas também o neofascista Pegida [acrônimo em alemão para Patriotas Europeus Contra a Islamização do Ocidente] e o "malafaismo", essa infame posição que consiste em camuflar a militância contra os direitos dos homossexuais e a liberdade das mulheres como luta pelos valores de uma minoria religiosa.

Por outro lado, podem se gabar de representar um dos casos mais bem-sucedidos de automarketing na história do ativismo.

Primeiro, conseguiram convencer de que não oferecem um método dentre outros, mas são o único caminho possível para a luta por justiça quando se trata de minorias. O que é falso, vez que muitas das lutas de minorias já haviam alcançado patamares importantes com outros métodos e outras premissas décadas antes que a ideia de política de identidade surgisse. As sufragistas não eram identitárias, as premissas universalistas de Martin Luther King Jr. e Nelson Mandela certamente seriam incompatíveis com o molde identitário. Hoje, porém, gerações inteiras não conseguem imaginar qualquer alternativa política se não a partir das táticas e das premissas do identitarismo. Um sucesso de autopromoção.

Além disso, a sua tática defensiva é digna de patente e consiste em se confundir com a minoria representada, usando-a como escudo para se blindar de críticas e calar divergentes. E, então, manipular a empatia do seu segmento ideológico pela identidade em questão como força de contra-ataque.

Fazem isso por meio da distribuição permanente de condenações dos divergentes. Todo crítico será acusado de estar praticando o ato opressor fundamental daquela identidade: racismo ou cristofobia, tanto faz. Sentença expedida, o identitário aciona os aliados no seu segmento ideológico. Se for de esquerda, usará a massa progressista, que saltará como se o bastião iluminista estivesse em chamas diante de um fascista, e não de um crítico, exercendo uma das funções mais sagradas da esquerda iluminista: examinar, duvidar, rediscutir premissas e verdades. Se for de direita, recorrerá aos conservadores, que não hesitarão em vestir a armadura de guerreiros da justiça em mais uma cruzada contra a cristofobia. Fantástico truque de propaganda.

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