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Ernesto Lavina

Como sobreviver às mudanças globais?

Há pontos complexos, como desacelerar investimentos em inteligência artificial

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Ernesto Lavina

Professor do Programa de Pós-Graduação em Geologia da Unisinos (RS)

Duas crises direcionarão a evolução da ecologia humana, ambas oriundas de diferentes dimensões da revolução tecnológica. Uma interna, social, decorrente da evolução exponencial dos algoritmos e da inteligência artificial, levando bilhões de pessoas a perderem sua utilidade para o sistema produtivo. Outra externa, planetária, causada pela imensa alteração climática em função do aumento dos gases de efeito estufa. As duas crises vão coincidir, atingirão seu máximo mais ou menos ao mesmo tempo, em meados do século 21.

"Mudanças globais" vão muito além da ciência, entram em questões éticas e morais. Segundo o historiador israelense Yuval Harari, temos de pensar desde agora no que fazer com os bilhões de pessoas que ficarão sem importância econômica quando máquinas passarem a projetar as máquinas do futuro, incluindo avanços tecnológicos desenvolvidos por máquinas. Humanos perderão relevância, a inteligência artificial trabalhará melhor e mais rápido. E este momento coincidirá com os imensos custos sociais do aumento da temperatura média global.

A temperatura média da Terra, de 12ºC no início da Revolução Industrial, hoje está próxima dos 14ºC. São jogados na atmosfera, a cada ano, mais de 40 bilhões de toneladas de CO2. Nos últimos 400 mil anos, o teor de CO2 na atmosfera esteve sempre abaixo de 300 ppm (partes por milhão); hoje se encontra em 417 ppm e segue avançando. As geleiras desaparecem em todo o mundo. Recuaram entre 1 km e 1,5 km no século 20. O nível do mar está aumentando: estudos sugerem elevação de 20 cm a 40 cm nas próximas décadas, podendo ultrapassar o 1,1 m projetado pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) para 2100.

O desenvolvimento tecnológico sem controle social eficiente poluiu e destruiu ecossistemas. Humanos derrubaram florestas e ocuparam imensas áreas com concreto e plástico. Sua população continua crescendo, enquanto a dos animais selvagens diminui. Nos dois últimos séculos houve, por certo, conquistas sociais imensas, como controle da fome, antibióticos e prolongamento do tempo de vida.

Nosso modelo social faz a riqueza ser gerada e disseminada pela sociedade em escala global. Mas o modelo é muito deficiente. Produzimos alimentos para sustentar todas as pessoas, mas não vencemos a fome. E degradamos o ambiente em escala global. A conta está chegando, e terá que ser paga. O planeta vai se ajustar em outro equilíbrio: mais quente, mais árido, e com distúrbios atmosféricos intensos e frequentes.

O modelo macroeconômico privilegia ganhos cada vez maiores com cada vez menos custos. Como consequência natural, algoritmos e inteligência artificial evoluem de modo exponencial. Afinal, são mais eficientes na produção de riqueza.

No dia a dia, não queremos saber dessas questões, pois já temos problemas demais. Infelizmente, como diz Harari, nesta lacuna o sistema pensa por nós, decide o nosso futuro. E, no futuro pensado pelo sistema, algoritmos e big data estarão mais aptos a produzir riqueza a baixo custo. Vamos ser atropelados pelas mudanças climáticas, mas teremos dificuldades em compreender o que está acontecendo com o planeta, pois nossa atenção estará focada em estratégias de sobrevivência. Seremos 10 bilhões de pessoas em 2050. Conseguiremos criar relevância social para tantos seres?

Ações imediatas teriam de contemplar a captura de CO2 da atmosfera (apenas reduzir as emissões não vai mais resolver), reformulação total nos padrões de exploração dos recursos naturais e drástica redução na emissão de poluentes industriais, pesticidas, fármacos, hormônios e microplástico. Ao mesmo tempo, discutir questões tão complexas quanto desaceleração nos investimentos em inteligência artificial e redução da taxa de natalidade onde isto ainda não ocorre. Ações com tal amplitude, envolvendo por vezes crenças e valores não negociáveis em determinados contextos culturais, podem ser implementadas em curto prazo? Talvez já seja tarde.

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