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Coração de porco

Transplante com órgãos de animais, que suscita questões éticas, merece avançar

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Equipe realiza transplante de um coração de porco geneticamente modificado em David Bennett, no Centro Médico da Universidade de Maryland em Baltimore, Maryland, EUA - University of Maryland School of Medicine/Handout via Reuters

David Bennett Sr. tornou-se, no último dia 7, a primeira pessoa a receber um coração de porco geneticamente modificado. Até este sábado (29), estava vivo —já superando os 18 dias que Louis Washkansky, o primeiro humano a receber um transplante cardíaco (de outro humano), sobreviveu em 1967.

O caso Bennett inaugura a era dos xenotransplantes, em que utilizaremos rotineiramente órgãos, tecidos e células de outras espécies?

Para os puristas, a resposta é negativa. No início do século 20, quando o fenômeno da rejeição não era bem conhecido, cirurgiões experimentaram um pouco de tudo, com resultados pífios. Mais modernamente, a substituição de válvulas humanas defeituosas por válvulas de porcos é há anos procedimento padrão da cardiologia.

Mesmo a implantação de um coração inteiro não representa exatamente um fato inédito. Em 1984, "Baby Fae", uma recém-nascida que sofria de grave anomalia congênita, sobreviveu por três semanas com um coração de babuíno.

A grande novidade na cirurgia de Bennett, nos EUA, é que o porco doador teve seu material genético manipulado para tornar o órgão mais propício ao transplante.

Nesse processo, três genes suínos foram silenciados para impedir a produção dos açúcares que deflagram a rejeição pelo sistema imune humano, seis genes humanos foram adicionados e um gene de crescimento foi alterado.

Se tudo funcionar como a empresa que "fabrica" esses porcos, a Revivicor, pretende, o principal obstáculo à massificação dos transplantes cardíacos, que é a carência de órgãos, terá sido suprimido. Incontáveis vidas serão salvas.

Intervenções como essa sempre impõem questões bioéticas. A grande questão está em se é ético utilizar outros seres vivos como repositório de órgãos para nós.

A discussão filosófica é interessante e deve-se reconhecer que os defensores dos direitos de animais são capazes de produzir argumentos respeitáveis, mas que não sobrevivem a nossas práticas.

Num planeta que sacrifica 1,5 bilhão de porcos a cada ano para alimentação, é difícil sustentar que não podemos matar mais alguns milhares com o objetivo eticamente mais relevante de salvar vidas.

Houve alguma grita com a escolha de Bennett, que cumpriu pena por ter esfaqueado uma pessoa. Essa, porém, não deve ser uma preocupação da bioética, que julga procedimentos, não indivíduos.

editoriais@grupofolha.com.br

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