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Carlos Fino

Estranhamento inescapável

Portugal e Brasil: o que alguns insistem em não ver

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Carlos Fino

Jornalista, é autor do livro 'Portugal-Brasil: Raízes do Estranhamento'

Em artigo nesta Folha ("Brasil ama a herança portuguesa", 11/01), José Manuel Diogo afirma que o estranhamento entre Portugal e Brasil —tema da minha tese de doutorado agora publicada em livro— "nunca existiu". Na sua opinião, eu teria partido de uma convicção indemonstrável com base numa amostra fraca e, em vez de ter tido a coragem de recuar e escolher outro tema, avancei para concluir o que não podia ser concluído —a saber, que existe um estranhamento entre Portugal e o Brasil, que o Brasil não valoriza a herança lusitana e que os portugueses menosprezam o Brasil.

O autor tenta assim desvalorizar uma investigação de vários anos, expressa ao longo de 500 páginas e avalizada por duas universidades —a do Minho e a de Brasília. Percebe-se, entretanto, pelo teor da sua prosa, que Diogo afinal não leu a tese, limitando-se a expor, com a ousadia de quem não conhece, uma opinião pré-formada contrária às conclusões que apresentei.

O jornalista português Carlos Fino

Se tivesse lido, teria percebido que eu não tentei demonstrar a existência de estranhamento entre Portugal e o Brasil —fato por demais conhecido—, mas sim entender, com base em ampla investigação histórica, os porquês dessa realidade onipresente que ele se recusa a ver. Se tivesse lido, teria visto que a maior parte dos fatos que invoca para corroborar as suas posições e diz estarem ausentes da minha investigação constam afinal do meu trabalho, e nenhum deles é suficiente para derrubar o que defendo.

Com efeito, o aumento dos fluxos sociais e das trocas entre os dois países, incluindo os 300 mil imigrantes e os milhares de estudantes do Brasil que frequentam universidades em Portugal, não chegam para superar o antilusitanismo histórico dos brasileiros, que pode perfeitamente viajar incógnito a bordo dos aviões da companhia aérea TAP.

Por outro lado, se é verdade, como assinalo no livro, que as tradições religiosas católicas ainda vão sustentando um lusitanismo difuso, não podemos deixar de ter em conta que o catolicismo está em franco recuo no Brasil, substituído a grande velocidade pelas diferentes correntes evangélicas —como também refiro.

Quanto à nova "lei da nacionalidade" lusa, que reconhece cidadania aos netos de portugueses que tenham vindo para o Brasil, ela é certamente importante, mas não deixa de ser uma medida tomada com grande atraso em relação ao que sempre reivindicou a comunidade portuguesa do Brasil e fica, ainda assim, atrás do que fez a Itália, que reconhece a cidadania até os bisnetos.

Por fim, o fato de os brasileiros terem em geral opinião positiva sobre o Portugal de hoje também não desmente a tese do antilusitanismo histórico que refiro, baseado em extensa investigação histórica que o autor nem sequer se dá ao trabalho de ir verificar. Isso também está no livro —mas ele não leu!

De caminho, ainda me acusa de pretender "sensacionalismo fácil", inoportuno e "perigoso" (!) sobre tema de relevância nacional e bilateral no preciso momento em que se assinalam os 200 anos da Independência do Brasil, como se as celebrações oficiais fossem impedimento da investigação e não, como é óbvio, um estímulo suplementar ao livre debate sobre tema tão relevante.

Em resumo, o autor faz exatamente aquilo de que me acusa: defender uma opinião sem fundamento, baseado apenas em percepção. Mas, como se sabe há muito e escreveu um certo clássico, "se a aparência e a essência das coisas coincidissem, a ciência não seria necessária".

TENDÊNCIAS / DEBATES
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