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Margareth Dalcolmo

Faz sentido vetar o Carnaval de rua e liberar os desfiles das escolas de samba? NÃO

Momento exige medidas efetivas de controle, mesmo que pouco simpáticas

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Margareth Dalcolmo

Médica pneumologista e pesquisadora da Fiocruz

Estamos no fulcro da discussão sobre a oportunidade de se manter desfiles de escolas de samba nos sambódromos de grandes cidades, que reúnem tradicionalmente milhares de foliões e turistas.

Mais do que uma decisão pragmática, foi simbólico e revelador de grandeza o cancelamento do desfile da Banda de Ipanema, esse verdadeiro ícone do Carnaval do Rio de Janeiro, após uma consulta de seu corpo diretor sobre mantê-lo ou não. Mesmo assumindo o ônus de contratos já firmados, prevaleceu a sensibilidade sanitária, inclusive pelo grande número de pessoas mais idosas, que fielmente saem na banda todos os anos e que, sabidamente, representam maior risco.

A pneumologista e pesquisadora da Fiocruz Margareth Dalcolmo - Mauro Pimentel - 12.mar.21/AFP

Essa decisão antecedeu o cancelamento do Carnaval de rua pela Prefeitura do Rio de Janeiro e foi seguida por outros grandes blocos tradicionais, como o Cordão do Bola Preta, que reúne perto de 1 milhão de pessoas, e o Cordão do Boitatá. Igualmente, cerimônias de grande tradição sincrética, como a lavagem da escadaria da Igreja do Senhor do Bonfim, em Salvador, foram suspensas presencialmente mais uma vez neste ano. A Prefeitura de São Paulo tomou a mesma decisão de cancelar os blocos de rua na cidade.

Até o Carnaval de Veneza, espetáculo único e que atrai um enorme número de turistas no inverno, está sob sérias dúvidas. Não se sabe se será liberado para circulação de pessoas e festas ou será mantido virtualmente, como foi em 2021. O uso de transportes coletivos, e locais fechados, de par com a comprovada alta taxa de espalhamento da doença em toda a região, devem resultar na decisão final de cancelar.

Diante da eclosão de uma nova variante viral como a ômicron, com um R0 (taxa de transmissibilidade) de quase 6.0, o mais alto verificado até agora, vivemos um novo momento que exige medidas muito efetivas de controle, mesmo que pouco simpáticas, dado o longo tempo de duração da pandemia.

As festas e aglomerações de fim de ano geraram, como anunciado, um grande número de casos novos. Já é sentido o impacto sobre os serviços essenciais, como hospitais e instituições de saúde, bancos e companhias aéreas, causado pelo número de profissionais afastados por Covid-19 em todo o país. Há risco real de colapso no sistema de saúde em emergências e aumento de demanda de internações.

Neste cenário, seria incongruente e de alto risco, tanto do ponto de vista sanitário quanto administrativo —e em que pese a envergadura do empreendimento, gerador de empregos temporários e de arrecadação— manter os desfiles de escolas de samba nos sambódromos.

O uso de transportes coletivos, inevitável para a maior parte dos espectadores e foliões, e a concentração de pessoas nas próprias agremiações, bem como em arquibancadas e camarotes, resultaria em alto risco de transmissão.

A Prefeitura do Rio de Janeiro tem dado uma demonstração de eficiência digna de registro na oferta de testagem em massa para sintomáticos e contatos, em centros montados para tal procedimento. A esse exemplo se espera que siga a oportuna decisão de cancelar os desfiles das escolas neste ano.

Lembremos que os primeiros casos de Covid-19 que tratamos —e algumas pessoas faleceram, em 2020— foram oriundos dos desfiles nos sambódromos. Naturalmente, era o momento inicial, com pouco conhecimento sobre a dinâmica da doença e sem vacinas. Porém, diante da situação epidemiológica atual, quando a prioridade é reduzir transmissão e casos, além de vacinar as crianças, contamos com a decisão de saúde pública prevalecendo sobre interesses econômicos.

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