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Michel Schlesinger

O fanatismo que persiste e o Dia do Holocausto

Onde quer que haja menosprezo aos direitos, há a necessidade de mobilização e conscientização

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Michel Schlesinger

Bacharel em direito (USP), é rabino da Congregação Etz Chaim ("Árvore da Vida") em Long Island, Nova Iork

Um dia internacional em memória às vítimas do Holocausto, como o celebrado nesta quinta-feira (27), é uma oportunidade de escolher o que faremos como indivíduos e como sociedade com as duras experiências do passado.

Janina Schlesinger, a avó deste autor, sobreviveu ao horror nazifascista. Depois de passar por sete campos de concentração, teve a sorte que outros 6 milhões de judeus não tiveram e ainda estava viva quando houve a libertação de Auschwitz-Birkenau pelas tropas soviéticas em 27 de janeiro de 1945, data que passou a ser lembrada como o Dia do Holocausto sob determinação da Organização das Nações Unidas. Janina tinha 21 anos e pesava 27 quilos quando foi libertada.

Vista de portão do campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, no qual se lê "arbeit macht frei" ("o trabalho liberta", slogan nazista) - Reprodução

Depois que a guerra terminou, uma outra batalha teve início na vida de Janina. Sobreviver tornou-se um desafio para aquelas pessoas que, assim como ela, tiveram sua liberdade restituída, mas haviam perdido a família, os amigos, além de boa parte da esperança e da saúde.

Depois de um processo de recuperação repleto de sofrimento e desamparo, Janina casou-se na Itália com Hugo, um oficial judeu que lutou na resistência contra os países do Eixo, antes de partirem para o Brasil. Por ocasião do casamento, Hugo presenteou Janina com uma toalha de mesa. Ao perguntar o que fariam com o presente, uma vez que não tinham nem mesmo casa, Hugo respondeu que um dia eles teriam uma mesa para colocar aquela toalha. E assim aconteceu em São Paulo.

Janina faleceu em 2018 e, enquanto viveu, demonstrou uma atitude conciliadora e uma postura pluralista. Até os últimos anos de vida, foi ativa no diálogo inter-religioso como presidente do Conselho de Fraternidade Cristão-Judaico.

Com frequência, encontramos o termo Holocausto sendo utilizado para designar outras máquinas genocidas. Nazismo tornou-se sinônimo de manifestação de autoritarismo, e Hitler substituto para o termo ditador.

Sempre que isso acontece, uma parte importante da comunidade judaica se manifesta no sentido de defender que tais termos devem ser resguardados para serem usados somente em seus contextos específicos. Em um momento em que ainda estão entre nós alguns dos sobreviventes, e seus descendentes estão em toda parte, o sofrimento que qualquer comparação possa gerar é compreensível e precisa ser evitado.

Ao mesmo tempo, existe uma linha invisível que conecta esse nefasto evento aos demais episódios de perseguição vividos pela humanidade no passado e no presente. Essa linha chama-se supressão dos direitos humanos. Onde quer que haja menosprezo aos direitos individuais, coletivos, religiosos, sociais ou políticos, existe a necessidade de mobilização e conscientização. Se não formos capazes de estabelecer este nexo entre o Holocausto e outras situações onde haja a privação dos direitos humanos, corremos o risco de ver no Holocausto um episódio com relevância histórica anedótica.

Por outro lado, quando estabelecemos com coragem e veemência a relação que existe entre todo episódio de sofrimento humano, aproximamos fenômenos que a passagem do tempo poderia tornar distantes e asseguramos a perenidade da sua dura lição. Assim como ensina o sociólogo carioca Bernardo Sorj: "Manter a memória e divulgar o Holocausto no mundo, para que ele não se repita com os judeus ou com nenhum outro povo, exige um esforço constante de luta contras as velhas e novas formas de intolerância e perseguição".

No último dia 15 de janeiro, testemunhamos novamente um atentando antissemita, quando um terrorista adentrou uma sinagoga no Texas em pleno serviço religioso e fez refém quatro pessoas por 11 horas. Esta recente manifestação de fanatismo nos recorda que a lição do Holocausto ainda não foi aprendida.

Mais do que nunca, neste Dia Internacional em Memória às Vítimas do Holocausto recomendo que o racismo, o antissemitismo, a islamofobia, a homofobia, o machismo, o preconceito contra religiões afro-brasileiras, entre tantos outros atentados contra a raça humana, sejam combatidos lado a lado.

O reconhecimento da humanidade que nos une faz com que sejamos capazes de nos apoiarmos e de sairmos fortalecidos no combate ao fanatismo. Assim como a Janina, podemos optar por uma atitude que apoia o diálogo e admira a diversidade, apesar dos enormes desafios que nos são impostos. Que saibamos construir a mesa sobre a qual, um dia, descansará nossa toalha para que se alimente a humanidade com toda a sua diversidade.

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