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O que a Folha pensa Rússia

O teste de Putin

Russo vê opções se estreitarem e Europa já vislumbra fumos de guerra na Ucrânia

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O presidente da Rússia, Vladimir Putin - Natalia Kolesnikova/AFP

Desde que ascendeu ao poder como premiê em 1999, Vladimir Putin apresentou ao mundo um plano claro. Ele queria retirar da lona os escombros da Rússia, partidos pelo fim da União Soviética oito anos antes e pisoteados numa farra liberal no período a seguir.

Além de arrumar a economia e a gestão cotidiana, o ex-espião da KGB buscava restabelecer o lugar de seu país no mundo.

Quando assumiu a Presidência pela primeira vez, na esteira da renúncia de Boris Ieltsin na virada do ano 2000, a mulher do cineasta Vitali Manski, Natalia, afirmou para o marido em cena captada no documentário "Testemunhas de Putin" (2018), desalentada: "O mundo vai nos temer de novo".

Talvez não precisasse ser assim, a acreditar nos primeiros movimentos do novo líder. Para consolidar o poder, sugeriu até uma parceria firme com o Ocidente, admitindo entrar na aliança militar criada para combater os soviéticos, a Otan.

O resto é história, e muito deve ser debitado da empáfia ocidental. Hoje, a Rússia tem forças se exercitando em três lados da fronteira ucraniana, dando credibilidade à ameaça velada de usá-las para estabelecer uma nova ordem continental a seu sabor no Leste Europeu.

Especialistas divergem sobre as intenções. A movimentação parece destinada a extrair algo bem inferior à lista de demandas oficial.

Elas incluem o refluxo da Otan para a forma anterior à absorção de países ex-comunistas ocorrida a partir de 1999, que assombra Putin com a ideia de forças adversárias às suas portas —vale dizer, sem os territórios neutros, aliados ou dominados que marcaram a política russa desde a dinastia Románov.

Em alternativa, supõe-se que Putin aceitará algo que lhe garanta, ainda que extraoficialmente, a ausência da Ucrânia e talvez de outros países ex-soviéticos como a Geórgia na clientela da Otan.

Até aqui, as negociações para tanto só apresentaram sua mera existência como virtude. Os russos se mexem, os EUA colocam 8.500 soldados de prontidão, a Otan faz reforços tímidos para tentar disfarçar sua falta de coesão.

Isso ainda pode mudar. Há espaço, cada vez mais exíguo, contudo, para o russo não ter de escolher entre suas opções militares.

Por certo, ele perdeu o fator surpresa que funcionou na Crimeia, em 2014. Mas também é líquida sua imprevisibilidade —e há o fato de que lida com adversários politicamente frágeis, como os acuados Joe Biden e Boris Johnson, que podem errar a mão a qualquer momento.

Os mercados mundiais já perceberam que algo não vai bem. De forma algo passiva, a Europa tropeça rumo a uma nova guerra ou, no mínimo, na ratificação tardia da profecia de Natalia.

editoriais@grupofolha.com.br

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