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Roberto Ellery

Resta torcer para que o BC consiga controlar a inflação

Ruído em excesso dificulta calibrar a política econômica

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Roberto Ellery

Doutor em economia, é professor do Departamento de Economia da UnB, onde realiza pesquisas nas áreas de ciclos de negócios e crescimento econômico

O advento da pandemia deixou ainda mais difícil a vida de economistas que tentam antecipar os movimentos da economia. O alto grau de incerteza, somado às mudanças nas políticas econômicas de diversos países, comprometeu a validade dos modelos usados por macroeconomistas para fazer previsões e recomendações de política econômica. Não por acaso vimos tantos erros de previsão em 2021.

No Brasil, o cenário ficou ainda mais difícil de avaliar porque a mudança na política econômica começou antes da pandemia com a tentativa de trocar o freio monetário pelo freio fiscal e o flerte explícito com a tese de que desvalorizar o real seria bom para economia.

Neste ano, o cenário continua complicado. Novas cepas do vírus podem prolongar a pandemia, e isso está fora do radar dos modelos —aparentemente, mesmo o pessoal da saúde tem dificuldades de antecipar a dinâmica dessas variantes. Por outro lado, famílias e empresas estão aprendendo a viver com a crise sanitária, de forma que os impactos na produção tendem a ser menos drásticos do que aconteceu nos anos anteriores. A incerteza em relação à duração e aos efeitos da pandemia na capacidade de produção dificulta muito antecipar os movimentos da oferta agregada, ou seja, da produção. Fatores relacionados à energia também podem afetar as empresas, como o regime de chuvas no Brasil, e as tensões geopolíticas no leste da Europa.

Como a dinâmica econômica está sendo ditada principalmente pelos movimentos da oferta agregada, fica difícil saber o que vai acontecer com o PIB e com a inflação. Dificuldade agravada pelo fato de que os modelos usados em macroeconomia costumam dar mais atenção aos movimentos da demanda do que aos movimentos da oferta, essa característica que torna tão difícil antecipar cenários de recessão e aumento da inflação. Mal comparando, em termos globais, a crise que estamos passando lembra o choque do petróleo nos anos 1970.

Pelo lado da demanda, o cenário não é mais gentil. No começo de 2021, as políticas monetária e fiscal levavam à expansão da demanda, o que, somada à retração na oferta, explica boa parte do aumento da inflação. Em 2022, tudo indica, o Banco Central vai continuar o ajuste dos juros, o que leva a uma contração da demanda; mas a política fiscal deve continuar expansiva. É difícil avaliar qual será o saldo final das duas políticas que atuam em direções opostas. Os choques nas expectativas por conta do processo eleitoral trazem outro efeito que dificulta prever o que vai acontecer com a economia neste ano. Por fim, temos que ver como o Banco Central vai responder a um provável aumento de juros nos Estados Unidos.

Com tanto ruído fica difícil calibrar a política econômica, mas ainda assim considero que o ajuste dos juros deva continuar de forma a não repetir os erros de 2020 e 2021, quando houve uma redução exagerada da meta para a Selic e uma demora perigosa para começar um ajuste forte. Neste ano, o Banco Central parece saber que está sozinho no esforço para controlar a inflação. Seria desejável esperar prudência também na condução da política fiscal —uma efetiva redução nos gastos é impensável no atual contexto, mas isso não impede que o governo busque maior qualidade nas próprias despesas.

Uma boa agenda de reformas poderia ser determinante para ajudar na recuperação que pode ocorrer nos próximos anos, mas é fundamental ter em mente que reformas mal desenhadas podem ter efeitos contrários aos previstos. Vale o mesmo para reformas bem desenhadas que sofrem alterações substantivas no curso da tramitação no Congresso.

Considerando as experiências recentes, talvez seja melhor deixar a agenda de reformas para 2023. Resta então torcer para que o Banco Central consiga controlar a inflação e que o estrago nas contas públicas, turbinado pelo processo eleitoral e pela aparente melhora fiscal decorrente em grande parte da alta de preços, não seja tão grande a ponto de ser tornar irreversível.

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