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'Sem motivo'

Apagão de dados sobre desaparecidos encobre, tudo indica, casos de ação policial

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Operação policial na favela do Jacarezinho, no Rio - Fabiano Rocha/Agência O Globo

Sob Jair Bolsonaro, o Ministério da Justiça ignorou no Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, válido até 2030, os desaparecimentos de pessoas em abordagens policiais. Vale dizer, o governo deixou de fazer qualquer exigência de produção de dados a esse respeito.

Não se trata, no entanto, de uma questão menor. Segundo dados dos ministérios públicos dos estados, 82 mil pessoas estão desaparecidas no país. Oficialmente, apenas 16 casos (0,02% do total) ocorreram em razão de prisões e apreensões por agentes públicos.

Há indícios, no entanto, de que a prática seja muito mais recorrente —e tornada invisível. Nos registros oficiais, nada menos que 86% dos episódios são classificados como "sem motivo aparente".

Cabe à pasta da Justiça, segundo uma legislação de 2019, coordenar a estruturação de um cadastro nacional de pessoas desaparecidas, o que ainda foi não realizado.

O sumiço de pessoas é um dos "problemas humanitários invisíveis", disse à Folha em 2018 o então diretor do Comitê Internacional da Cruz Vermelha na América Latina, Stephan Sakalian.

Em estudo publicado em julho deste ano, "Ainda? Essa é a Palavra que Mais Dói", a Cruz Vermelha detalha os severos impactos econômicos, sociais e mentais de desaparecimentos para as famílias.

Segundo o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 62,9 mil pessoas desapareceram em 2020, ano em que 6.416 foram mortas em decorrência de intervenções policiais —o triplo do registrado sete anos antes.

Diante de tal cenário, este jornal questionou os governos dos dez estados com mais mortos pela polícia sobre informações referentes a desaparecimentos associados a operações de segurança pública.

A conclusão inevitável é que o problema é largamente ignorado. Goiás, Paraná, Sergipe, Rio Grande do Norte e Ceará nem sequer responderam às perguntas. Rio, Bahia, São Paulo, Pará e Rio Grande do Sul relataram não ter os dados pormenorizados.

Reverter o cenário tenebroso requer coordenação nas três esferas de governo. Passa, necessariamente, por incluir a exigência de produção de dados pelo plano nacional. Demanda, ademais, que as forças estaduais invistam na investigação de casos e prestem contas de maneira transparente.

Por fim, cabe aos municípios, por meio de serviços de assistência social, desempenhar a tarefa de auxílio às famílias na procura de desaparecidos. Estas merecem, ao menos, a dignidade de não serem invisíveis ao poder público.

editoriais@grupofolha.com.br

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