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Becky S. Korich

Tchau, Covid?

O que terá mudado ou ficado de nós após tudo isso?

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Becky S. Korich

Advogada, dramaturga e cronista do blog www.quarentenando.com

Quando pensávamos que o bicho tinha se cansado de nós, ele aparece com uma nova letra grega. Pouco sabemos sobre a nova variante ômicron, mas graças às vacinas tudo indica que ela não nos fará retroceder. O comprovante vacinal, a exigência de testes, a (ainda) obrigação de máscaras em ambientes abertos —nada disso está impedindo a volta da normalidade. Prova disso são os voos lotados, a retomada das atividades culturais, mais pessoas nas ruas.

Acontece que o vírus se mostrou tão impiedoso que não vai se contentar apenas com os estragos que já causou. Vai abandonar o barco e jogar no nosso colo a difícil tarefa de redefinir a normalidade e nos devolver toda a responsabilidade pelos problemas que a ele terceirizamos. Quilos extras, compulsões, depressões, bebedeiras, traições, contradições. A falta de foco e educação das nossas crianças, as 18 horas por dia que passamos olhando para uma tela, a forma que aprendemos a nos relacionar sem nos relacionar. A preguiça de sair de casa, vestir sapatos, ir a reuniões, cumprimentar com beijinhos e milhares de novas preguiças que afloraram.

E nessa transição surgem algumas perguntas: o que terá mudado ou ficado de nós depois de tudo isso? Qual dos mundos vamos escolher? Ou, para os simplistas: vamos ter Carnaval? Será igual a outros carnavais?

Perpetuar o mundo minimalista em que fomos forçados a viver, nos contentando só com o básico, desprendidos do que não é essencial, pode parecer uma ideia linda. Tão linda quanto tediosa. Impensável.

Por outro lado, é pouco provável que recuperemos a vida no estado em que a deixamos antes do vírus. O tempo não congelou. Sentimos coisas diferentes, experimentamos coisas novas, e isso nos afetou mesmo sem a gente perceber.

Nos enjoamos de fazer pães caseiros, voltamos a terceirizar a limpeza de casa, a dar importância a coisas sem importância, a brigar por coisas pequenas por puro amor a brigas. E, mais do que nunca, estamos fincados às nossas posições, o que faz com que quem pense diferente seja inimigo. Desglamourizamos, enfim, a ideia de que sairíamos dessa mais elevados.

Mas alguma coisa tem que mudar.

Nem que seja algo ínfimo, individual, imperceptível aos olhos dos outros. Pelo menos uma partícula do sonho de uma vida mais significativa tem que restar desse pesadelo. O sonho da soma dos dois mundos.

A possibilidade da vida de antes, com uma dose do minimalismo vivenciado. Algo como ir a uma festa de chinelo, não precisar ter 80 amigos para ter 5 bons amigos, levar uma vida natural, porém não automática.

Não nos sufocarmos com compromissos para nos sentirmos produtivos, não precisar de tanto, pois é na simplicidade que se encontra a mais fina sofisticação.

Ter o vírus dominado e continuar com nossas preguiças e desordens existenciais, sem precisar dele como escusa para justificá-las.

Conseguirmos ser contidos e ao mesmo tempo nos permitir extrapolar, mesmo sabendo que virá uma ressaca no dia seguinte.

Quando todas as letras gregas desse vírus se forem, que consigamos sonhar o impossível. E isso já terá sido a cura.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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