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Miguel Srougi

Tenham piedade, excelências

Ministro Queiroga, rogo-lhe que abandone a complacência oportunista

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Miguel Srougi

Professor titular de urologia da Faculdade de Medicina da USP, é pós-graduado em urologia pela Universidade Harvard, membro da Academia Nacional de Medicina e presidente do conselho do Instituto ‘Criança é Vida’

No início de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou que a humanidade estava sob ataque de um vírus ensandecido, espraiado pelos cinco continentes. Explicitamente, anunciou uma nova pandemia e, implicitamente, indicou que esse patógeno não mais abandonaria o nosso planeta.

Como a história e a ciência previram, e em resposta à pressão evolucionária, o coronavírus ancestral de Wuhan, na China, sofreu sucessivas transmutações para se perenizar, culminando agora com o aparecimento da variante ômicron, já disseminada pelo planeta.

O professor de urologia da USP Miguel Srougi durante fórum promovido pela Folha para debater a saúde no Brasil - Daniel Guimarães - 27.mar.14/Folhapress

Com a mesma velocidade e competência, os nossos cientistas desvendaram os principais mistérios que envolviam esse novo agente com o objetivo de enfrentar o novo desafio. Assim, demonstraram que:

1 - essa infecção tem uma assombrosa capacidade de disseminação: 10 portadores de ômicron infectam, dentro de 2 a 3 dias, 100 pessoas não vacinadas; 2 - em 8 de janeiro, a variante já era responsável por 98,7% dos casos de Covid no Brasil; 3 - previsão da Universidade de Washington indica uma escalada incontrolável no número de casos em nosso país, com 1 milhão de pessoas sendo infectadas diariamente dentro de dez dias. Esse número não será reconhecido pelo governo federal, que insiste em subestimar vergonhosamente a prevalência da doença;

4 - as taxas de internações em UTI e de óbitos são de 4 a 5 vezes menores nos pacientes infectados pela ômicron se comparadas aos casos atingidos pelas variantes prévias. Esses índices mais baixos não devem ser menosprezados, já que a disseminação irrefreada da doença talvez mate 400 ou mais brasileiros por dia dentro de três semanas; 5 - a vacinação com duas doses do imunizante protege entre 10% e 51% das pessoas expostas à ômicron, mas três doses protegem 88%;

6 - a capacidade da ômicron de infectar crianças é duas vezes maior que a das variantes anteriores. Apesar da baixa letalidade, crianças precisam ser vacinadas para não se transformarem em reservatórios perpetuadores da pandemia. E, também, porque baixa letalidade não é baixa se quem morre é um ente querido; 7 - bobagens têm sido ditas por pessoas que convencem mais quando ficam caladas. A vacina da Pfizer é bastante segura em crianças, e nenhum óbito foi relatado após quase 9 milhões de doses administradas a esse grupo nos Estados Unidos; e 8 - finalmente, a pandemia pela ômicron só será extinta se pelo menos 90% da população em cada país for imunizada de forma correta e rápida para evitar a emergência de novas variantes agressivas. Como essa meta é utópica, e provavelmente inatingível, o vírus continuará bailando pelo mundo, reescrevendo de forma trágica a nossa história.

Confesso que, neste momento, não consigo disfarçar minha aflição. Vivendo numa nação estraçalhada, com uma rede sanitária inacessível às pessoas mais simples e, pior, com líderes que não prestam, prevejo um futuro tenebroso para os nossos cidadãos. Sem vislumbrar qualquer possibilidade de o nosso presidente modificar suas atitudes imperfeitas e rudes, só me resta fazer um apelo público, aberto e sincero.

Ministro Marcelo Queiroga: você, como membro de uma classe de heróis que recentemente mudou os destinos da humanidade e com uma história pessoal que até há pouco lhe proporcionou o respeito e a admiração dos cardiologistas brasileiros, não tem o direito de manchar sua biografia e envergonhar seu entorno com atitudes que estão contribuindo para aniquilar o Brasil e o nosso povo.

Por isso, rogo-lhe que se coloque ao lado de tantos filhos da nação e assuma o combate irrestrito à pandemia, pautado na ciência, inspirando e apoiando os demais governantes, estimulando a aplicação das medidas sanitárias reconhecidas, fortalecendo os sistemas de suporte à vida, divulgando estatísticas honestas, necessárias para a gestão da crise, e promovendo a vacinação da nossa população de forma abrangente e rápida. Abandone a complacência oportunista e defenda a nação brasileira contra os ataques do vírus e da indecência.

Pedindo desculpas por repetir, termino relembrando Albert Einstein: "O mundo é um lugar perigoso para se viver, não por causa daqueles que fazem o mal, mas por causa daqueles que observam e deixam o mal acontecer". Hoje, com duplo sentido.

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