Descrição de chapéu
Carolina Sales Vieira

Uma tragédia bem brasileira

Gestações planejadas esbarram em oferta limitada de métodos contraceptivos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Carolina Sales Vieira

Médica e professora do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) e associada da Sociedade de Planejamento Familiar dos EUA

A falta de planejamento reprodutivo é uma tragédia nacional. No mundo, 40% das gestações não são planejadas. No Brasil, o índice é maior: 55%. Ou seja, de 100 bebês que nascem em nosso país, 55 não foram planejados por suas mães.

As gestações não planejadas são mais comuns em determinados grupos: adolescentes, mulheres solteiras, mulheres mais pobres, com menor escolaridade, portadoras de doenças crônicas e usuárias de álcool ou drogas. A pesquisa Nascer no Brasil traz um dado especialmente alarmante: 65,3% dos partos de adolescentes não são planejados.

São muitos os efeitos negativos. Para o bebê, é maior a possibilidade de prematuridade, baixo peso e morte no primeiro mês de vida. Para a mãe, aumenta o risco de sofrer violência física, de iniciar tardiamente o pré-natal, de desenvolver depressão pós-parto, de realizar abortos clandestinos e, caso a gravidez ocorra na adolescência, de abandonar a escola.

Entre as principais causas do alto índice de gestações não planejadas estão a falta de uso de métodos anticoncepcionais ou a utilização incorreta deles. São muitos os fatores que levam a isso: o medo de efeitos colaterais, a dificuldade de acesso a variados métodos anticoncepcionais e a falta de conhecimento adequado sobre esses métodos por parte dos profissionais de saúde.

Nenhum método anticoncepcional é infalível. Quanto mais um método depender da disciplina de uso, maior será a probabilidade de falhas. Os chamados contraceptivos reversíveis de longa ação (Larcs, na sigla em inglês) são métodos altamente eficazes, duram pelo menos três anos e não exigem que a mulher se lembre com frequência de usá-los. Isso vale para o implante hormonal subcutâneo, o dispositivo intrauterino (DIU) de cobre e o DIU hormonal.

A porcentagem de mulheres brasileiras que desejam evitar uma gravidez e usam algum tipo de anticoncepcional é de 80%, índice alto mesmo na comparação com países desenvolvidos. O que explica, então, nossas elevadas taxas de gestações não planejadas? Boa parte da explicação está no baixo acesso aos Larcs no país.

Os anticoncepcionais mais sujeitos ao uso inadequado são os de curta ação, como a pílula, cuja eficácia depende de lembrança frequente da mulher. O SUS fornece sete métodos de curta ação (pílula combinada, pílula de progestagênio, injeção mensal, injeção trimestral, preservativo feminino, preservativo masculino e diafragma), dois métodos cirúrgicos definitivos (laqueadura e vasectomia) e apenas um Larc (DIU de cobre).

Os métodos anticoncepcionais mais utilizados no Brasil são a pílula e a laqueadura tubária. Entre as usuárias de métodos anticoncepcionais, só 2% usam um Larc, mesmo com a disponibilidade gratuita do DIU de cobre no SUS. Faltam políticas públicas de ampliação da oferta de Larcs, como o implante hormonal subcutâneo. Mulheres para as quais o DIU de cobre seja contraindicado ficam praticamente sem opção no SUS. Para elas, restam hoje a laqueadura tubária ou os métodos de curta ação.

Sabe-se que a redução das gestações não planejadas é uma tarefa complexa que exige investimentos de longo prazo. É importante que as ações sejam baseadas nos direitos da mulher, promovendo o acesso a serviços de planejamento reprodutivo e evitando práticas coercitivas, como insistir para a mulher usar determinado anticoncepcional que ela não deseja.

Muitas transformações são necessárias para enfrentar esse problema de forma adequada. Mencionemos só algumas delas: melhorar a qualidade da educação, preparando os adolescentes para definir objetivos de vida e ensinando-os sobre saúde reprodutiva; ofertar mais tipos de Larcs no SUS; combater a violência sexual e o casamento infantil; capacitar os profissionais de saúde nessa área específica; usar celulares e redes sociais como canais de informação; melhorar o acesso e o acolhimento nos serviços de saúde reprodutiva, principalmente para adolescentes e mulheres vulneráveis.

São transformações profundas que podem fazer deste país uma nação melhor. Quem discorda?

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.