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Thiago Colnago Cabral

A inepta política nacional de drogas

Continuaremos morrendo, matando e encarcerando nossa juventude em vão?

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Thiago Colnago Cabral

Juiz da 3ª Vara de Tóxicos, Organizações Criminosas e Lavagem de Capitais de Belo Horizonte

Foi publicado recentemente o "Global Drug Policy Index", ranking mundial do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas, abrangendo 30 países de todos os continentes, quanto à política de drogas. O trabalho, coordenado por Helen Clark, ex-primeira-ministra da Nova Zelândia, reserva ao Brasil a pior classificação dentre os países avaliados, atrás de México, Colômbia, Afeganistão e Indonésia, o que exalta a importância de seu comprometido exame pela sociedade brasileira.

A classificação está fundada em cinco critérios, referentes ao cabimento de medidas extremas de julgamento, especificamente com aplicação de penas de morte ou perpétuas; à proporcionalidade da resposta da Justiça criminal; às políticas de tratamento e redução de danos; ao controle de medicamentos de acesso restrito; e às medidas de desenvolvimento nacional.

Policiais do Rio de Janeiro durante operação policial contra supostos traficantes de drogas na favela do Jacarezinho - Mauro Pimentel - 21.abr.21/AFP

Pesou substancialmente na classificação do Brasil a consideração de que o país vivencia endemia de execuções sumárias "em nome do combate ao tráfico" —tal qual se atribui ao México, a qual é equiparada aos regimes indonésio, indiano e tailandês de imposição de penas de morte.

O estudo denomina tais ações estatais como sentenças extremas ou violações graves a direitos fundamentais, relacionando-as diretamente à circunstância da militarização enquanto elemento da política de tratamento às drogas.

Neste pormenor reside outro aspecto importante da realidade nacional com a qual o Brasil se vê sempre confrontado, especialmente no cenário internacional: as vítimas fatais de ações policiais.

De tempos em tempos a sociedade brasileira é confrontada com ações dessa natureza, amplamente divulgadas, como nas muitas chacinas noticiadas pela grande imprensa; entretanto não há como negar que tais ocorrências são, ainda que em menor magnitude, relativamente frequentes no país.

Outro critério de avaliação bastante prejudicial ao Brasil foi o que se denominou desproporcionalidade no tratamento judiciário, fundada em violações a direitos humanos representadas pelo uso excessivo da força em nome do combate aos entorpecentes. Prisões provisórias prolongadas e amplamente empregadas foram diagnosticadas no estudo internacional como marcas do Judiciário brasileiro.

Com fundamento nesses critérios, o Brasil é pessimamente avaliado quanto à política de redução de danos, medidas de tratamento ao uso abusivo de entorpecentes que acabam por evitar incursões criminais deles decorrentes. A teor do ranking, tais políticas são insignificantes no nosso país. É justamente neste ponto que se coloca a maior importância do estudo para o Brasil: fazer pensar sobre a estruturação da política de drogas no país.

Não há como deixar de perceber que, para além dos grandes traficantes e das organizações estruturadas de narcotráfico e lavagem de capitais, a estrutura do tráfico compreende um sem número de desvalidos, no mais das vezes sem qualquer oportunidade econômica ou social. São eles um universo infindável de mão de obra barata e plenamente substituível na estrutura do narcotráfico.

Para estes, muitas das vezes a promessa do ganho fácil, ainda que se restrinja à diminuta porção de entorpecentes, se afigura muito sedutora, senão irresistível.

Quanto a esse grupo, a política nacional se restringe à repressão policial, em combate que no mais das vezes conduz ao encarceramento de integrantes de menor importância na estrutura delitiva e, sobretudo, estabelece verdadeiro empecilho para que agentes públicos se dediquem, com maior vagar, às estruturas de poder das organizações criminosas.

Independentemente das concepções de cada um quanto à descriminalização do uso de determinados entorpecentes, a adoção nacional de uma efetiva política de redução de danos —com estruturados serviços de acolhimento e tratamento, aliada a políticas públicas de proteção social— é o único instrumento eficiente no tratamento da questão.

Enquanto isso não for objeto de reconhecimento e, principalmente, de mudança da realidade nacional, continuaremos morrendo e matando, encarcerando grandes parcelas da nossa juventude em vão, sem atingir estruturalmente as organizações dedicadas ao narcotráfico.

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