Sob o prelúdio de "Lohengrin", ópera de 1850 do compositor alemão Richard Wagner, o então secretário da Cultura, Roberto Alvim, anunciou, com uma fotografia de Jair Bolsonaro ao fundo e a bandeira do Brasil à sua esquerda, os planos da pasta. Wagner era o compositor favorito de Hitler, e o discurso de Alvim reproduzia falas de Joseph Goebbels, ministro da Propaganda do ditador nazista, e toda a estética do vídeo remetia a essa ideologia perversa.
Cerca de um ano depois, o presidente da República e deputados bolsonaristas se encontraram com Beatrix von Storch, neta de um ministro de Hitler e deputada de um partido da ultradireita alemã. Recentemente, em visita à Hungria, Bolsonaro utilizou um lema fascista.
Desde a eleição do presidente, o símbolo da suástica já apareceu no logo de um supermercado, em um parque no Rio Grande do Sul e no acervo de um homem preso por pedofilia no Rio. E, conforme mostrado pelo programa Fantástico, da TV Globo, as células neonazistas saíram das redes, com ataques como o ocorrido em um bar antifascista.
É por isso que afirmo que, não, o nazismo não foi erradicado do planeta; e, sim, defender a sua existência é extremamente perigoso. Foi essa compreensão que fez com que eu rebatesse de forma enfática a fala do podcaster Monark enquanto participava do podcast Flow com o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), quando o primeiro disse que "o nazista tinha que ter um partido nazista reconhecido pela lei".
Como respondi na ocasião: liberdade de expressão termina onde a existência ou integridade do outro é colocada em risco. O nazismo tem por base o ódio contra judeus, ciganos, negros, LGBTQIA+ e todos aqueles considerados diferentes —e, por isso, não deve ser tolerado. É o paradoxo da tolerância, de Karl Popper: "Se estendemos a tolerância ilimitada até àqueles que são intolerantes, os tolerantes acabam sendo destruídos, juntamente com a tolerância".
Mas e a discussão sobre a possibilidade da existência de um partido nazista? Por que seria inaceitável? Para responder a esse questionamento, trago a Teoria da Janela, de Overton. Essa "janela" diz respeito aos debates ou ideias políticas que são ou não aceitos por uma sociedade, dependendo de quão radicais e inadmissíveis sejam considerados.
Conforme discursos que, até então, eram intoleráveis e se tornam meras opiniões, movemos a janela. E é justamente aí que está o perigo: lentamente, normalizamos discursos —e até mesmo comportamentos— absurdos. Bolsonaro é o maior exemplo disso. O que aconteceria se FHC se encontrasse com uma deputada alemã nazista? Ou se um ministro de Lula fizesse um vídeo com alusões a Hitler?
Segundo a antropóloga Adriana Dias, as células neonazistas cresceram 270,6% entre o início deste governo e 2021. Ela estima que haja 10 mil pessoas nesses núcleos. Isso mesmo: 10 mil neonazistas.
Precisamos sim ser intolerantes com ideologias que ameaçam a existência dos outros. Em um podcast com 3,7 milhões de inscritos, decidi fazer esse enfrentamento com um discurso firme. O nazismo é um perigo real e atual. Independentemente de qual seja a reação de cada um, omitir-se ou calar-se jamais dever ser uma opção.
TENDÊNCIAS / DEBATES
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