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Luciana Yeung e Luciano Benetti Timm

Por que uma reforma no sistema de Justiça?

Judiciário segue inacessível aos mais desfavorecidos

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Luciana Yeung

Doutora em economia e professora do Insper

Luciano Benetti Timm

Advogado, é mestre e doutor em direito (UFRGS) e professor da FGV Direito SP

Em um país em que já se chegou, em momento recente, à inacreditável cifra de quase 100 milhões de processos e um custo superior a R$ 100 bilhões, o debate sobre a reforma do sistema de Justiça não pode passar desapercebido pela população ou ser limitado a círculos "técnicos" profissionais (potencialmente autointeressados).

Ademais, esse debate não deveria ser fundado apenas em "achismos" ou experiências individuais, nem tampouco em ideologias político-partidárias. Pelo contrário: acreditamos que, como qualquer política pública, a reforma do sistema de Justiça deveria ser refletida com base, sobretudo, em análises científicas empíricas, amplos dados objetivos e interdisciplinaridade.

A verdade é que se fala em crise do Judiciário há décadas, e a emenda constitucional 45/2004 foi promulgada na tentativa de se curar essa crise. Todavia, faltaram diagnósticos precisos dos problemas (doenças), assim como o remédio aplicado vem sempre sendo o mesmo (mudanças legislativas pautadas por boas intenções), sem mensuração de resultados.

Nunca se concedeu tanto acesso à Justiça, mas, mesmo assim, a Justiça parece inacessível para muitos, sobretudo aos mais necessitados. Em pesquisa recente realizada no Insper, 73,7% dos respondentes afirmaram que a Justiça é muito demorada, e 57,6% declararam que, mesmo precisando, não acessam o Judiciário por considerar "muito complicado" e "demorado".

Nessa toada, o que as evidências empíricas sugerem, em termos de diagnóstico da crise judiciária?

1 - Muita demanda de serviços judiciais, pouca oferta: somos um país democrático, com um sistema jurídico que prevê muitos direitos sociais. Isso por si só não é um problema, ao contrário, deve ser motivo de orgulho. Mas o Poder Judiciário tem limites humanos e materiais. Nem tudo será resolvido por ações judiciais individuais, nem pelo monopólio jurisdicional do Estado, que acaba não servindo a todos;

2 - Gestão administrativa: não temos ainda tradição de discutir qualidade da gestão pública. Acredita-se que órgãos públicos não sejam compostos por pessoas, recursos materiais ou tenham orçamento limitado. Aqui, vale lembrar um dado: magistrados brasileiros passam, em média, 70% do seu tempo cuidando de tarefas administrativas;

3 - Poucos meios de autocomposição: ainda se acredita que a única maneira de se resolver conflitos é pela via judicial. Os meios alternativos continuam sendo vistos com uma aura de "esoterismo" —ou, então, como inacessíveis, mais do que realmente são. No entanto, é possível sim ter justiça fora do sistema público de Justiça;

4 - Resistência para inovação: o aumento dos meios alternativos de resolução de conflitos passa também pelas possibilidades de inovação, não somente tecnológica —e aqui vale parênteses para reconhecer o excelente trabalho que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vem fazendo—, mas também pela maneira de trabalhar na Justiça, vendo-a não somente como local, mas também como serviço público;

5 - Falta de visão sistêmica e consequencialista: necessitamos de uma Justiça com visão mais pragmática; se enviasse "sinais" mais claros teria grande poder de reduzir demandas frívolas ou repetitivas. Decisões judiciais têm forte poder de sinalização: quando coerentes e consistentes, deixam claro para a sociedade o que a Justiça considera como sendo tolerável ou intolerável, o que é legal e o que não é. Isso é o que requer a segurança jurídica. Assim, precedentes são necessários;

6 - A crise de eficiência favorece alguns: o instituto do "acesso gratuito à Justiça" não resolveu e não parece ser o melhor caminho para resolver a acessibilidade às classes mais pobres da população.

Sendo esses os problemas, precisamos agora discutir os caminhos. Recorrer ao formato de diálogo de sempre, ou seja, opinar em políticas públicas com base puramente em intuição, não nos parece ser o melhor caminho.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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