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Trágica rotina

Mortes nas chuvas em SP expõem falhas na prevenção e incúria em áreas de risco

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Busca por corpos e sobreviventes em Franco da Rocha (SP) - Rivaldo Gomes/Folhapress

O roteiro repete-se há décadas. Por descaso ou conveniência política, autoridades fazem vista grossa para a ocupação de áreas de risco; frágeis construções, mal equilibradas em morros e encostas, multiplicam-se de forma desordenada; as águas de chuvas contínuas, comuns no verão brasileiro, infiltram-se no terreno irregular.

Por fim, a tragédia: toneladas de terra vêm abaixo, arrastando e destruindo o que há pela frente —famílias inteiras, muitas vezes.

A mais recente catástrofe do tipo ocorreu no fim de semana no estado de São Paulo. Até esta quarta (2), os 27 municípios afetados somavam 27 mortos em deslizamentos e alagamentos. Também em razão de enchentes, havia 1.546 famílias desabrigadas ou desalojadas. Sete pessoas estavam desaparecidas.

Até certo ponto, a perda de vidas era previsível e evitável. Com 20 das 27 vítimas, a Grande São Paulo, por exemplo, dispõe de amplo mapeamento geológico. Sabe-se muito bem onde ficam as regiões que jamais poderiam ser habitadas e as que até comportam algumas edificações, desde que obedecendo a restrições e obras de engenharia.

É certo que não faltou "visão de futuro" por parte de quem construiu, como miseravelmente definiu o presidente Jair Bolsonaro (PL) ao sobrevoar as áreas atingidas. Faltou, isso sim, planejamento adequado, responsabilidade e investimento sólido em programas de moradia por parte dos governantes, em todos os níveis.

Nesse aspecto, causa espécie a notícia de que o governo João Doria (PSDB) gastou, em 2021, menos da metade (45%) do dinheiro previsto para obras antienchente. No ano anterior, o percentual desembolsado foi ainda menor: 18%.

Em que pesem questões administrativas e entraves burocráticos, como argumentou a gestão, a tarefa, hercúlea e de longo prazo, vai além de obras de contenção.

Urge uma mudança de orientação: novas ocupações em terrenos instáveis e à beira de cursos d’água devem ser impedidas de imediato, antes que proliferem; projetos habitacionais precisam contemplar prioritariamente moradores das áreas mais perigosas, que, por óbvio, devem ser removidos.

No curto prazo, um sistema de alerta meteorológico efetivo, que contemplasse ampla cobertura da imprensa e mensagens direcionadas por celular, poderia salvar vidas com a retirada prévia das famílias.

Em um planeta ameaçado pelas mudanças climáticas, ações corajosas e concretas do poder público podem evitar que mais cadáveres sejam contabilizados a cada verão —ou talvez já na próxima chuva.

editoriais@grupofolha.com.br

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