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César Eduardo Fernandes

A criação do 'open health' é positiva para o sistema de saúde? NÃO

Tudo faz crer que operadoras poderão avaliar seus clientes sob a ótica do risco

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César Eduardo Fernandes

Presidente da Associação Médica Brasileira

Em tese, o "open health" representaria o compartilhamento dos registros eletrônicos de saúde de beneficiários de planos de saúde, podendo incluir os atendimentos privados e do Sistema Único de Saúde, o SUS.

Vale, por oportuno, considerar que o prontuário eletrônico portável nos parece, em princípio, boa medida, salvaguardados a confidencialidade e o sigilo. O acesso a ele, uma vez implantado, só deverá ser feito com autorização formal prévia do paciente, seu verdadeiro proprietário, e apenas pelo médico. Jamais, sob quaisquer circunstâncias, por operadoras de saúde.

O médico César Eduardo Fernandes, presidente da ABM (Associação Médica Brasileira) - Adriano Vizoni - 21.jan.21/Folhapress

Ademais, a proposta de "open health" ou outra qualquer precisa estar em conformidade com a Constituição Federal, que garante a inviolabilidade da intimidade e da vida privada de qualquer cidadão. E também com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que assegura proteção especial às informações referentes à saúde e veda às operadoras o tratamento de tais dados para a prática de seleção de riscos na contratação e exclusão de beneficiários.

O cenário vivido atualmente e a atuação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), reforçada pela pandemia de Covid-19, descortinam vários problemas enfrentados pelos consumidores dos planos de saúde. Especialmente os mais idosos e acometidos por alguma doença, os mais vulneráveis, que sofrem para acessar coberturas pelas quais, muitos deles, pagaram por anos.

Mais recentemente, consumidores e médicos assistem a seguidas tentativas de limitação dos direitos garantidos pela lei 9.656/98, a Lei dos Planos de Saúde. Em particular, para limitar a cobertura e a autonomia do médico, atribuindo taxatividade ao rol de procedimentos de cobertura obrigatória elaborado pela ANS.

Em suma, as operadoras desejam que só valham os procedimentos de listas engessadas e restritivas —nada mais. Além da insuficiência legal da tese da taxatividade, imaginem distúrbios causados simplesmente pela inexatidão de nomenclaturas para um mesmo procedimento.

Por tudo isso, a despeito da roupagem moderna do "open health", não parece promissora a sua implantação por aqui. Ainda mais com foco na maior concorrência do mercado e na possibilidade de oferecimento de planos subsegmentados, antigo sonho das empresas combatido historicamente por entidades médicas e de defesa dos consumidores.

Tudo faz crer que a proposta permitirá uma seleção específica por parte das operadoras, que poderão utilizar informações de saúde e condições físicas dos beneficiários sob a ótica do "risco" antes de aceitar um novo consumidor.

A proteção de dados de pacientes não é novidade para os médicos, já que um dos princípios fundamentais do Código de Ética Médica é o dever de guardar sigilo sobre todas as informações de que detenham conhecimento no desempenho de suas funções. O acesso desmedido a tais dados, contudo, é outro desejo antigo das empresas do setor.

Precisamos, sim, olhar para o futuro e incorporar tecnologias que venham a proporcionar melhorias ao atendimento à saúde na relação médico-paciente, paciente-operadora, médico-operadora e operadoras-SUS. Mas sempre respeitando a lógica da prestação dos serviços de saúde, a intimidade e a privacidade de todos os envolvidos. Podemos sonhar com uma ferramenta como promete ser o "open health", mas há muita lição de casa por fazer. As deficiências do setor são escancaradas todos os dias, e prometer soluções miraculosas é inadmissível.

Compreendemos que respeito à privacidade e ao sigilo dos beneficiários é a base de sustentação de qualquer sistema de saúde digno e eficaz.

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