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Guilherme Casarões

A incultura internacional do bolsonarismo

Há quem veja genialidade, mas é só incompetência

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Guilherme Casarões

Cientista político e professor da FGV-Eaesp (Fundação Getulio Vargas - Escola de Administração de Empresas de São Paulo)

Li com interesse o artigo do deputado federal Marco Feliciano (PL-SP) nesta Folha ("O gênio estratégico de Bolsonaro", 7/3). Trata-se, afinal, de uma rara defesa da errática política exterior do governo Jair Bolsonaro (PL). Chama a atenção o texto não ter sido escrito pelo chanceler. Ou pelo assessor internacional. Ou pelo ministro da Defesa. Mas que bom que alguém teve essa coragem.

O que, na superfície, parece uma discussão relativamente sóbria sobre política externa, não passa de um amontoado de ideias no melhor estilo bolsonarista: elogios ao chefe e críticas à imprensa embalados em palavras rebuscadas e temperados por teorias conspiratórias. Tudo para, no fim, fazer uma defesa sorrateira da invasão russa —e das reais predileções do presidente.

Jair Bolsonaro e Marco Feliciano
O presidente Jair Bolsonaro (PL) e e o deputado federal Marco Feliciano (PL-SP) - Marco Feliciano no Twitter

O mote central do artigo —de que nações se movem não por ideologias, mas por interesses— não está errado. Essa é a primeira lição de quem se envereda profissionalmente pelas relações internacionais. Não à toa diplomatas, acadêmicos e analistas se revoltam diariamente com a displicência do governo ao substituir considerações estratégicas, de longo prazo, pelos devaneios ideológicos de um populista e sua trupe.

Estamos diante do presidente que mais banalizou a política externa: antagonizou parceiros históricos por serem "comunistas" ou "globalistas", fez campanha eleitoral para os colegas de extrema direita e retirou o país de todos os debates multilaterais relevantes a nosso povo. Isso para não dizer do negacionismo sanitário que nos envergonha diante do mundo.

É curioso o porta-voz do governo que fez do Brasil um pária internacional vir falar em interesse nacional como se sempre o tivesse defendido. Dá a sensação de que, às vésperas de uma eleição em que a derrota é quase certa, quisesse —mais uma vez— reescrever a história e adaptar a narrativa que anima a militância. Outro dia Jair Bolsonaro (PL) era o messias que levaria a paz para o Leste Europeu. Hoje, o presidente é o "gênio estratégico" que transita, habilidosamente, entre Washington, Pequim e Moscou.

Afirmações como essa desafiam a inteligência das pessoas. Não precisa ser íntimo do presidente para reconhecer seu desprezo pelo conteúdo e pela forma da diplomacia. Bolsonaro sempre falou o que lhe deu na telha, no tom virulento costumeiro com que se posiciona nas redes sociais ou no cercadinho do Alvorada.

E fico me perguntando se alguém da base governista realmente crê que os líderes das três maiores potências militares do mundo se deixam enganar pelas declarações vagas e ambíguas do mandatário brasileiro. É quase tão ingênuo quanto acreditar que as chancelarias estrangeiras já não estejam em compasso de espera para 2023, quando o próximo presidente tomará posse.

No afã de oferecer uma lição sobre realismo político, Feliciano, nosso chanceler de ocasião, se esquece do segundo mandamento das relações internacionais: na diplomacia, não há nada pior que a incerteza e a inconstância. Países querem saber o que esperar dos parceiros. No Brasil de hoje, nem o próprio governo sabe quem fala pela política externa. Há quem chame isso de genialidade. No fundo, é a mais pura incompetência.

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