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Thiago Carvalho Borges

A ordem mundial em desequilíbrio

Faz-se necessário um novo ajuste jurídico, político e econômico

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Thiago Carvalho Borges

Advogado e doutor em direito internacional (USP) e em jurisdição constitucional e novos direitos (UFBA), é professor de direito internacional na Faculdade Baiana de Direito

A ordem mundial vigente, construída após o fim da 2ª Guerra, tem como pressuposto essencial a paz e a segurança nas relações entre as grandes potências militares. Instituições internacionais políticas e jurídicas foram criadas para manter o equilíbrio de forças por meio do diálogo e da busca por soluções pacíficas das controvérsias, o que evitou a ocorrência de uma nova guerra mundial. A estabilidade também foi mantida pelo receio das possíveis consequências de um conflito nuclear.

Nas últimas décadas, entretanto, os organismos internacionais vêm sofrendo uma série de desgastes em sua credibilidade. Episódios como a invasão do Iraque pelos EUA, em 2003, e a intervenção no Kosovo pelas forças militares da Otan, em 1999, dentre outros, foram amplamente questionados na sociedade internacional, mas não sofreram nenhum tipo de sanção por parte das organizações e tribunais internacionais. Os argumentos utilizados nesses casos, como a legítima defesa prévia, a proteção de vulneráveis contra o genocídio e a autodeterminação dos povos, por exemplo, agora se voltam contra o Ocidente na investida da Rússia contra a Ucrânia.

Os objetivos de Vladimir Putin com a guerra são objeto de discussões. O governo russo alega que visa garantir sua segurança territorial frente à expansão injustificada da Otan; os países ocidentais afirmam que consiste em uma investida imperialista para anexação do território ucraniano. Independentemente das causas, os reflexos do conflito armado já têm o potencial de desajustar o arranjo político mundial atualmente existente.

As sanções aplicadas contra o Estado, empresas e pessoas de nacionalidade russa permitem duas conclusões: a primeira, que o sistema internacional, quando funciona articuladamente, tem um grande potencial de eficácia coercitiva; a segunda, que o funcionamento das instâncias internacionais é evidentemente seletivo, pois, nos casos envolvendo Estados ocidentais, não houve, nem de perto, resposta semelhante. Pode-se questionar, ainda, a licitude dessas sanções, que não chegaram a ser submetidas ao devido processo legal.

A ação política de bancos, empresas privadas e até de organizações não governamentais e associações internacionais na adoção de medidas contra a Rússia cria uma grande instabilidade na economia mundial. Os Estados não ocidentais, principalmente a China, deverão reagir imediatamente para não correrem o risco de submeter suas decisões de política externa a reações semelhantes, com a exposição de seus fundos soberanos e dos bens de seus nacionais ao confisco de entidades ocidentais.

Por fim, a resposta russa de mobilização de suas armas nucleares é uma evidência de que a estabilidade da ordem mundial se encontra, definitivamente, ameaçada. A manutenção do equilíbrio na política internacional permitiu que, nas últimas décadas, os investimentos militares fossem reduzidos a proporções sem precedentes na história. Com isso, grandes investimentos sociais puderam ser implementados pelos Estados, possibilitando grandes avanços na qualidade de vida das pessoas, principalmente nos países mais ricos. Entretanto, a decisão da Alemanha de aumentar o investimento nas Forças Armadas é um sinal de que esses tempos estão mudando, pois outros Estados devem seguir o mesmo caminho.

As premissas do arranjo político que manteve a sociedade internacional livre de uma guerra de grandes proporções por quase sete décadas estão desafiadas no presente momento. As instituições internacionais padecem de uma crise de legitimidade e já não são capazes de evitar os conflitos. O aumento das tensões deve ampliar as despesas com armas, pessoal e tecnologia militares, com impactos em programas sociais, o que deve afetar diretamente a vida das pessoas. A economia mundial deverá sofrer um grande reajuste. Um novo ajuste jurídico, político e econômico será necessário para acomodar toda essa ebulição.

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