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Oded Grajew

A quase irrelevância da ONU

Na prática, organização é dirigida pelos cinco países que têm poder de veto

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Oded Grajew

Idealizador do Fórum Social Mundial, é presidente emérito do Instituto Ethos e conselheiro do programa Cidades Sustentáveis e da Rede Nossa São Paulo

No último dia 28 de fevereiro, reportagem publicada nesta Folha trazia o título: "Embora sem ações efetivas contra a guerra na Ucrânia, ONU ainda é relevante, dizem analistas".

Será? A Organização das Nações Unidas foi criada em 1945, logo após a 2ª Guerra Mundial, para "preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, unir forças para manter a paz e a segurança internacionais e promover o progresso econômico e social de todos os povos" (trechos do preâmbulo da Carta da ONU).

Reunião do Conselho de Segurança da ONU, em Nova York (EUA) - Andrew Kelly - 14.mar.22/Reuters

Por que as Nações Unidas têm falhado tanto no cumprimento de sua missão? Vejamos.

Os órgãos principais da ONU são a Assembleia-Geral (AG), que reúne todos os países membros, e o Conselho de Segurança (CS), composto por 15 membros, dos quais 5 são permanentes: China, Reino Unido, França, Rússia e Estados Unidos. Cada um dos membros permanentes tem direito de vetar qualquer resolução do CS. Por ironia, os cinco países encarregados de manter a paz no mundo têm os maiores orçamentos militares e são os maiores fabricantes de armas do planeta.

O CS é, de longe, o órgão mais poderoso da ONU. É o conselho que recomenda à Assembleia-Geral admissão de novos membros e suspensão ou expulsão de integrantes. O secretário-geral da ONU é indicado pela AG mediante recomendação do CS.

Quando é de interesse de qualquer membro permanente do CS, até a Carta da ONU é desrespeitada. O artigo 27 do documento determina que, nas decisões do Conselho de Segurança, o país que estiver envolvido nas resoluções não poderia votar. A Rússia, contudo, votou contra a resolução que condenava sua invasão à Ucrânia e a derrubou por ter direito a veto.

As decisões que têm efeitos jurídicos e práticos cabem apenas ao CS. Na prática, a ONU é dirigida por cinco países onde cada um, por seu direito a veto, tem o poder de aprovar ou rejeitar qualquer ação ou medida proposta por outros países ou até pela maioria das nações. Tal governança paralisa e torna a ONU quase insignificante no cenário internacional.

Digo "quase" porque a ONU tem o potencial, por suas estruturas, conhecimentos acumulados e qualidade dos seus integrantes, de ser um ator relevante na governança global. Criou agências e instituições, elaborou propostas e convenções em muitas áreas. Tem um orçamento para 2022 de US$ 3,12 bilhões.

Entretanto seria necessário rever a sua Carta para torná-la uma organização democrática, ganhando legitimidade e legalidade para implementar suas decisões. Basta aplicar o artigo 109, que determina a instalação de uma grande conferência, para reexaminá-la. É uma grande oportunidade. Mesmo que as resoluções desta conferência (e qualquer mudança na Carta) tivessem, novamente, que ser aprovadas pelo CS, a força política das decisões barraria qualquer resistência às mudanças.

O mundo, mais do que nunca, precisa de uma ONU relevante, capaz de cumprir a sua missão, sua própria razão de existir.

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